segunda-feira, 5 de novembro de 2012

ACHO QUE ENTENDI ALGUMAS COISAS: EPIFANIAS TECNOLÓGICAS!

Ontem caiu uma ponte, aqui em Black Stream. Não adianta procurar as explicações sobre o porque caiu. Simplesmente, a ponte se "acomodou", cansada de ficar em pé. Muito estranho. O fato é que aí, hoje de manhã, eu tinha um monte de coisas para resolver e, obviamente, o trânsito me obrigou a passar um pouco mais de tempo na rua, assim tive um bom vazio mental para "pensar coisas".
Aí estava eu dentro do carro, debaixo do sol, quando me toquei que algumas teorias parecem mais complicadas e difíceis porque não dão muito exemplo. Fica meio "pairando" sobre nós, por exemplo, a noção de "inteligência coletiva". Quero dizer, mas o que significa "praticamente" isso?
E me veio uma epifania. Aliás, não, três:
1) Anteontem joguei em uma rede social uma dúvida: faz muito tempo que eu li um conto, e o conto me interessa muito agora, pois fala de uma biblioteca e de uma bibliotecária realmente aterrorizantes. Só sabia que era do Stephen King, mas vai lembrar onde recupera-lo! Enfim, joguei essa dúvida na rede e pedi ajuda para que, se alguém soubesse me dar as coordenadas deste texto, me enviasse. Tempo meia hora, o título (e o link com o conto na íntegra) estava em minhas mãos.
Assim, entendi que a gente não sabe, mas alguém sabe por aí e compartilha a informação. Achei bem mais claro do que, simplesmente, falar em uma identidade abstrata quase angelical, a "Inteligência Coletiva"...
2) Não consigo usar o dropbox. Esta coisa "chupa" o que eu peço para ela, mas não devolve. Parece o Leviatão das minhas informações... aí lembrei que tenho um colega que falou do dropbox como de algo super-funcional, e sei que com certeza compartilhará o conhecimento sobre este repositório virtual.
3) Uma rádio italiana, que ouço pela internet, tem programas interativos com os ouvintes. Por exemplo, tem um que chama "seis graus de separação", cujo conteúdo é feito a partir de um conjunto de seis músicas sugeridas pelos ouvintes, via mail/redes sociais, cujo "vínculo" é alguma relação até casual, sei lá, a data de composição, o primeiro nome do cantor, enfim, o fato é que há um compartilhamento, neste caso também, de conhecimentos, cujo "fluxo" e circulação são potencializados pela tecnologia.
A queda da ponte, hoje, foi proveitosa!!!

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

CAMPANHA: "SACRIFICAR UMA MARIA-FUMAÇA EM PROL DE TODAS AS OUTRAS!


Depois de postar o post (postado ontem) pensei em melhor elaborar o plano "Harry Potter encontra o Sacî" através das viagens de trem.
Como disse, Black Stream possui uma Maria Fumaça enferrujada e deslocada perto da Rodoviária, como lembrança eternamente esquecida do meio de transporte que no local parava há algum tempo atrás (algumas dezenas de anos não representam "muito tempo atrás", pois há gente viva que lembra ainda disso...).
Black Stream possui outras Maria-Fumaça em vários pontos da cidade, algumas mais algumas menos lembradas pelas pessoas. Existe uma praça imensa, divertidíssima, com um longo e circular trilho e relativa miniatura do trem que percorre o espaço/tempo da aventura ferroviária e econômica da região. Enfim... áreas distantes que dificilmente podem ser visitadas em um único dia a pé por escolas, crianças, crianças escondidas na adolescência, adultos que curtem suas crianças... o que quero dizer é que é possível pensar em pequenas ações públicas altamente ligadas ao mercado que têm "consumidores" ou podem vir a ter "consumidores" nas figuras jurídicas das escolas (públicas-gratis/particulares-pagas = melhoria de ensino/pode ser calculado como imposto municipal e "descontado", esta parte eu não conheço, precisa de expertise, mas vou em frente com a idéia).
PROPONHO, aqui, uma forte parceria com o mercado para aproximar a cidade de sua história.
Vamos lá:
Podemos nos ajudar com audio visuais no começo do pacote.
Ainda nas escolas, antes do embarque na viagem mágica, vamos fornecer as coordenadas às crianças:
Conhecem Harry Potter?  Sabiam que Harry Potter veio ao Brasil? E como ele viajou? De trem, é claro! Hoje vamos ver qual é o trem que ele usava para ir a escola! E, principalmente, vamos ver como ele viajou por aqui. E aí contar que o inglês veio fazer um intercâmbio com as criaturas mágicas brasileiras (toma-se, aqui, uma linha de contação de contos da mitologia brasileira na qual se reflete a região).
Enfim, se levam as crianças para visitar o primeiro trem mágico descoberto/importado aqui no Brasil. E depois os outros, que viajavam pela ferrovia disfarçados de trem de gente e de carga... E de conto em conto se percorrem veredas locais... Eu tenho a sensação que é uma "contação de contos" que poderia ser realizada por gente preparada e voluntariosa que queira fazer experiência com algumas formas de mediação que obrigam a refletir sobre a hibridização das culturas não como hipótese remota, mas como fenômeno presente, quer se goste ou não, com o qual é necessário (e desejável) contar.
Estou então eu, FdP, lançando uma campanha para sacrificar uma Maria-Fumaça em prol da sobrevivência de outras... E vejam bem, nem precisa sacrifica-la materialmente, sei, lá pintando-a de vermelho e preto, não... é mais do tipo "um sacrifício espiritual", pois ela voltaria a ser inglesa (aliás como todas as Maria-Fumaça da época, diga-se de passagem...), mas permitiria muitas conversar sobre criaturas mágicas locais (mediadores preparados para ler/interpretar de Monteiro Lobato até Câmara Cascudo). Sobre trens e história, geografias e tempos (são, na verdade, muitos eixos possíveis, mas eu fico com o eixo literário, se alguém quiser podemos pensar também em um eixo mais histórico, e depois em um eixo artístico... tantuffass, um bom trem te leva onde quiser!).
Agora, me seja permitido refletir sobre meu pequeno mundinho de sonhos, (mas se alguém se interessar, que me contate)... Eu proponho, aqui, não um projeto em busca de disneyficação da história. Não pretendo transformar o parque de transporte ferroviário antigo de Black Stream em parque de diversão. Penso, porém, que a arte do conto é algo que merece ser praticada também em lugares diversos da biblioteca, e pelo pouco que conheço, as criaturas mágicas brasileira já ganharam, em outros momentos literários, vida própria que pode ser competitiva até com o Harry Potter. Mas como somos da paz, para quer competir? Não podemos construir uma colaboração/cooperação entre escolas de magia inglesa e brasileira?
E, é claro, o percurso dos trens permite tantas outras narrações!
Agora, querem saber o que as crianças (crianças, como alvo primário!) poderiam usar para deslocar-se de um ponto para outro do percurso? Trenzinhos mágicos! As crianças gostam de brincar, e o fazem com muita seriedade: eles vão poder sentar em um verdadeiro trem mágico que apita e que vai leva-los a conhecer as criaturas locais... E se o público for composto de gente que curte Neil Gaiman, um público mais metido que curte HQ e fantasy, que Neil Gaiman apareça entre as referências, e que os donos dos trenzinhos se sintam incentivados a enfeitiçar suas máquinas cada vez mais...
Bom, como este é um mero manifesto, não vou detalhar tudo, né? O fato é que podemos realizar uma operação como esta até com parcerias múltiplas: sei lá, se tivesse uma agência júnior de CI, poderia se ocupar de todas as várias partes (do "plano financeiro" ao marketing final, da seleção/organização das leituras necessária ao preparo das (muitas) mediações, pensando no feedback que podem obter antes da atividade (prévias com as escolas que permitem realizar uma pequena avaliação da proposta para costumizá-la para "aquele" público????) e interações possíveis que podem ocorrer ao longo da viajem inteira, que deverão/poderão ser discutidas para a melhoria da atividade bem como em meios acadêmicos, principalmente em suas vertentes de implicações teórica.
As implicações são muitas, a graça disso é que realmente poderia ser pensado não somente na perspectiva do que os poderes públicos devem/podem fazer, mas de novos modelos de parcerias. Não, porque a gente não vai mexer na estrutura nem na forma das "coisas" que se encontram pela cidade, pedir a preservação, a manutenção, porém, na medida em que as "coisas" são apropriadas pela frequentação, pode se tornar um passo menos significativo do que todo o duro trabalho de quem justamente pede que estas coisas não sejam abandonadas pelos caminhos das leis. É, porém, uma apropriação que, eventualmente, gera o desejo afetivo de garantir estas memórias, ainda que por razões puramente afetivas que podem vir a ser geradas pelos elos literários que se propõem. Esta apropriação desejante pode, quem sabe, em algum momento, se tornar decisiva nas escolhas dos "bambambans" que (nunca) decidem decididamente o que fazer com "as coisas"...
Quanto "food for mind" uma coisa assim pode proporcionar? Eu acredito que seria muito.
E aqui vai a "grande viajem para o mundo da mágia" que é possível fazer em Black Stream, lugar com alta taxa de presença de criaturas mágicas da região: muitos andam de beetle (nome inglês para fusca), que todos sabem ser inseto voador (tipo joaninha, sobre a qual cavalgam as fadas), há casas que, à noite, revelam pedras brilhantes nas paredes....
E se acreditamos na contação de histórias nas bibliotecas, por que não podemos realizar experiências em 3D?????
Eu sei lá, acho que nem tudo vira Disney somente porque quer entreter... contação de conto é entretenimento legítimo, certo? E é para ser divertido, certo?

domingo, 23 de setembro de 2012

PALHAÇOS & IRREVERÊNCIAS


De todos os elogios que já recebi em minha vida, ser chamada de irreverente porque considero culturalmente interessantes trabalhar "fora dos trilhos" utilizando de maneira insólita o que faz parte do panorama urbano da cidade onde resido me parece um resultado no mínimo interessante. Que bom que nem tudo que a gente leva a sério deve ser sisudo, que bom que não faço parte dos mumificados que se consideram iluminados e que olham sempre com muita reprovação as lascas nos olhos alheios sem se aperceber dos troncos de carvalhos que carregam cravados na alma...
Que bom poder passear por panoramas tidos como conhecidos sem olha-los como lastimáveis, mas procurando neles aquilo que constitui nossa vivência quotidiana. Que bom poder aproveitar também do mundo como ele é, procurando as secretas tramas que unem o passado ao presente, sem resmungar sobre a fantasia de um presente sem estética oposto a um passado idealmente ético... Que bom encontrar a ética dos grafiteros na sua estética!
Gostaria de ser mais irreverente ainda. Gostaria de transformar aquela Maria-fumaça que fica enferrujada e se tornou mictório de sem-teto lá perto da rodoviária de Black Stream no expresso vermelho de Hogwarths. Levaria todas as crianças que sonham uma escola como a de Harry Potter nesse trem dos sonhos deles, contando que, antes desta magia, aquele já era um trem dos sonhos, o trem dos sonhos de muitos imigrantes, e contaria esta história...
Irreverente, sempre, mas também, melhor isso do que o abandono atual das coisas no meio das brigas infindáveis de um poder público engessado, cego e elitista da cultura. Reverência se faz à monarquia, mas eu sou por natureza republicana e um pouco sacana e chafurdo com prazer na lama colorida da cultura mais pop de nossos tempos... Viva os palhaços, viva os bufões, irreverentes que sempre incomodaram os podres poderes de quem quer (m)andar em um único trilho do pensamento!

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

MARCHIONNE, CROZZA & IL BRASILE




Vorrei contribuire a capire il personaggio Marchionne interpretato da Crozza, che a Ballarò ha espresso la sua personalissima opinione sul Brasile. Temo che il livello di preparazione della classe dirigente attuale su economia e società sia proprio questo. O meglio, che gente come Marchionne sappia benissimo distinguere realtà e fantasia, mentre l'elettore medio forse ancora non del tutto. Questo perché vive in un piccolo mondo campanilista, in cui la conoscenza storica, geografica e sociale non esiste. esiste, però, la fantasia creata da prodotti al limite della fiction, rivolti al turismo o al desiderio di evasione di telespettatori e fruitori di magazines.
Molti italiani non sanno cosa sia il Brasile nella sua realtà socio-economica, che spiega il perchè la FIAT, qui in Brasile, vende.
Attualmente, il Brasile ha più di 177.000.000 di abitanti. La popolazione che è stata descritta da Crozza come predominante rappresenta poche centinaia di migliaia di membri delle nazioni indigene. Il resto della popolazione (che nonostante le popolazioni indigene continua attestata oltre i 177.000.000) vota, se vuole, a partire dai 16 anni. In Brasile esiste una legge detta "ficha limpa", cioè: i candidati alle cariche pubbliche non devono avere, tra i requisiti minimi per concorrere, processi a carico. Per quanto il paese soffra perché i corrotti non sono un'esclusiva italiana, questo è più di quanto l'Italia offra.
Perché si produce e vende la FIAT in Brasile? Nonostante il delirio post-antropologico di Crozza, che ci racconta che gente nuda che vive nelle capanne compra la Panda per venerarla come un Totem,
Negli ultimi 15 anni, dal governo Fernando Henrique ad oggi, il Brasile è diventato una potenza mondiale. Ha fatto scelte economiche e sociali che fanno si che oggi sia un paese che offre credito invece di avere un debito così immenso da non saper neanche da dove cominciare a pagare gli interessi.
Le persone, in questo stato di cose, guadagnano di più. Non voglio dire che sono più ricche, dico solo che guadagnano di più. Il Brasile continua ad essere uno dei punti della terra di fortissime disuguaglianze sociali. Una fetta molto consistente di popolazione, anche se vota, si preoccupa con il ferro da cavallo, più che con il SUV. Comunque, specialmente nelle aree più industrializzate del paese, c'è gente che compra la macchina per la prima volta. Un proletariato entrato in questi anni in una classe di consumo medio-bassa.
E la FIAT, con la sua tradizione di una macchina per famiglia che porta alla creazione dell'antica 500, in un paese come questo ci marcia! É una marca competitiva, costa meno per chi compra. In Brasile c'è la UNO. Quella nuova, fashion, costa di più. Più di quella vecchia scassona che tutti conosciamo. Qui, è una macchina perfetta. È la jeep dei poveri: un carrozzone che non ha problema con le buche (è alta!), va sullo sterrato e ha un baule che, per la sua categoria, continua il migliore, nessun'altra marca permette un costo/beneficio uguale. Risultato: è una macchina usatissima per servizi telefonici, manutenzione rete elettrica, idraulici... e altri mestieri che vanno un po' dappertutto e con casse/cassette/fili/ammenicoli professionali vari.  Le revisioni e manutenzioni della FIAT costano molto meno delle altre. Nelle categorie popolari, vende un sacco la Palio (già permette una distinzione di classe rispetto alla UNO antica, quella nuova è un po' fighetta. La 500 è una macchina stupida, ma è considerata da ricchi - e in effetti, fa concorrenza soltanto al mggiolino contemporaneo, stupido e inutile. Quello antico qui va forte, in fondo era la 500 tedesca... ). La Palio, come la UNO, sono prodotte in Brasile. Quando Marchionne (quello vero) ha lanciato il SUV FIAT, non lo ha fatto pensando all'Italia, ma a un mercato col profilo Brasiliano. La FIAT, in Brasile, significa garanzia di incontrare pezzi di ricambio, di rivendere la macchina senza perderci troppo, di avere una macchina che, a tutti i livelli (dalla UNO al maledetto FREEMONT) costa sempre un po' meno delle sue concorrenti per categoria.
La nuova entrata nella classe C dei consumatori (e sono molti) con le origini nella classe D (non consumatori) mantiene la FIAT molto bene, grazie. Solo perché vi facciate un'idea: come docente universitario io gravito tra la classe C alta e la B bassa/media, dipende se c'è crisi in giro. Attualmente, sono B e ho appena rivenduto una Peugeot Escapade 1600 SW prodotta in Brasile per pagare una buona parte di una Palio Weekend Trekking 1600 (sempre SW). Quest'ultima è la sorella della prima in prestazioni/consumi/volumi, però: costa meno/ha più spazio/per la manutenzione in concessionaria spendo la metà.
Potete immaginare che, prima dell'acquisto, abbia valutato la concorrenza, e immaginate giusto.
La FIAT in Brasile funziona perché si vuole che funzioni! E finché avrà questa politica di vendite, il riflesso sulle politiche di produzione sarà, inevitabilmente, positivo, e gli operai di Betim, in Minas Gerais, dove ci sono gli stabilimenti FIAT, non si ritroveranno col culo per terra. Anzi, direi che da queste parti l'azienda non è in crisi. Gli operai della FIAT, da queste parti, riescono a comprarsi una FIAT, perché in Italia devono fare la fame?

domingo, 1 de julho de 2012

SHAKESPEARE EXPLICA...


A palavra família é uma palavra. Como gato, guitarra, casa... são palavras. Só que essa palavra, família, está se tornando objeto de disputas infindáveis, inúteis. Todos, políticos, cristãos e, em geral, as pessoas "cheias" de moral (tão cheias até se tornarem moralISTAS), querem colocar um excesso de pingos nos i dessa palavra, família. Querem declinar a palavra unicamente no singular mais monolítico possível.
A família, nessas infinitas discussões cheias de moral, é uma e sagrada.
Modelo bíblico. Ou melhor, uma interpretação reduzida e cheia de muros e limites.
A palavra família, engessada pela visão restrita dessa laia imensa, se tornou pequena, reduzida, estéril.
Se formos ver, no Antigo testamento família já é desfuncional:
Abraão está casado com Sarah, que não consegue ter filhos. Aí, dentro dessa "família exemplar", a esposa manda o marido ficar com a escrava Agar e ele tem um filho com esta última. Aí, para mim, tudo bem, a historinha oferece um modelo de família não tradicional, um modelo de "útero de aluguel". Só que quando Sarah fica grávida, Agar é abandonada com o filho no deserto.
Além disso justificar a bosta de inimizade entre irmãos (é com base nisso que se sustenta a guerra entre árabes e judeus, o filho de Agar dará origem a descendência árabe), o pai resolve obedecer a uma das ordens mais estapafúrdias que já se viram, a de matar seu filho. Isto que é pai de família tradicional: abandona um dos filhos e topa matar outro.
Uma beleza de modelo para esta palavra, família.
No Novo Testamento, a coisa é melhor ainda: um belo modelo de família não tradicional, pois a mãe fica grávida por "inseminação artificial" e o pai, José, é adotivo, não biológico. Vista por este lado, é uma família super interessante, muito moderna. Só que o povo prefere esquecer que a situação que se cria é muito, muito distante da idéia de um papai/mamãe/filhinho (é claro, macho, pois as filhas fêmeas nunca tem vez...) como núcleo fechado, como único que designa a palavra família.
Voltando à palavra família.
Como dizia Shakespeare (que era gente boa e inteligente), "uma rosa não mudaria seu perfume mesmo que tivesse outro nome".
Então, se eu escolho ter uma rosa em minha vida, mas alguém acha que a rosa pertence somente a quem entra em parâmetros restritos e enjaulados e me diz que eu não tenho uma rosa, pouco estou me lixando. Ficarei com esta flor, que tem o mesmo perfume, as mesmas pétalas aveludadas e os mesmos espinhos. A chamarei de jóia, a chamarei de felicidade, a chamarei de orquídea. Pouco me importa a palavra, a flor não muda.
Chamarei, assim, minha família de jóia, felicidade, topázio, diamante: ele não vai mudar como elo entre afetos, amores e dores.
Que os moralistas fiquem com as famílias desfuncionais,
Eu fico com a alternativa e com as muitas palavras coloridas e ricas, que representam minha família muito além dessa palavra da qual se apossaram, tornando-a um lugar que pouco representa a união entre pessoas que se escolhem, se amam, constroem uma vida juntas. Não tenho nada a ver com uma divindade maluca que pede para matar os filhos, com mães que impõem o abandono dos filhos e pais que topam subir o morro para degolar os filhos. Que as pessoas cristãs, que os políticos estúpidos fiquem na sua cegueira que lhe mostra somente um "sagrado" míope, incapazes de pensar em como seu modelo de família cristã é uma anomalia em relação às próprias representações de seus textos sagrados.
Eu fico com o Shakespeare, com as rosas perfumadas que chamarei por outros nomes, com minha família que é tal, mesmo que a chame de rosa.
Um bom domingo a todos.

sexta-feira, 22 de junho de 2012

TWILIGHT: DEIXEM-ME CONTAR O QUE ENTENDI


Faz um bom tempo que ocupo uma parte da minha cuca com a história da Bela que amansa a Fera que se esconde por trás do rosto um pouco monótono de Edward Cullen.
E como não gosto dessa matéria grudenta em minha cabeça, vou fazer que nem Dumbledor que deposita suas preocupações em um "Pensador" externo. Assim me libero dessa "saga-chiclete" para pensar em algo positivo. Porque toda a história de Crepúsculo é construída para ter o efeito "areias movediças" em todos aqueles que, incautamente, se aproximam desse produto cultural de massa da MELHOR qualidade. Não estou brincando. Esta é que é habilidade em produtos & marketing. Marketing que encontra uma resposta mais que coletiva, diria de massa, na representação de anseios e desejos fortemente marcados pelo gênero. É construído de maneira magistral, com TODOS os ingredientes para nos aprisionar e sugar no lodo do pântano. Pântano do qual os verdadeiros cultores do horror-trash sabem estar prestes a sair o Monstro. Se continuar assim, próximo sucesso de venda será um filme onde até o monstro do pântano quer casar e viver feito um bom burguês... Oh, não, esqueci, já existe e chama Shrek... mas esta é outra história, vamos ficar no Crepúsculo.
Edward Cullen é absolutamente inexpressivo, e já isso deveria nos alertar de que algo muito errado é encenado. Aqui preciso marcar que a autora da série de romances pertence à espécie do gênio do mal, operando em um plano imaginário que nada tem a ver com o medo, mas com a domesticação do sobrenatural. Aquilo que nos é alheio provoca medo. O medo, para citar Stephen King, é uma outra dimensão do mundo que percola devagar na nossa realidade, contaminando-a. Os vampiros são mortos que voltam, revenants, algo que não pertence ao convívio social. São a melhor das representações encontradas ao longo do tempo do que é uma anomalia social, que se alastra por contágio, tornando cada um de nós vítima e carnífice ao mesmo tempo.
Para se ter uma idéia: os lobisomens são uma invenção da mitologia antiga. As bruxas eram muito conhecidas em Roma. Os mortos que voltam são encontrados na Bíblia, o tempo inteiro. Nos Evangelhos temos várias versões de mortos-que-voltam: Lázaro, o próprio protagonista e, no final de todos, todos os capítulos, no final da história, podemos dizer, o Apocalipse nós oferece material bem rico para tecer os corpos dos revenants que hoje tem nome de Zumbi. Sério. Os corpos que voltam no Apocalipse são desalmados, voltam exatamente para se juntar às almas. E nem para todos isso vai ser bom... E os vampiros são presenças derivadas de tudo isso. Eu já li O vampiro de Polidori, o primeiro grande clássico da literatura do gênero. Também amei Carmilla, destinada a se tornar ícone do trash-pop em filmes homônimos, podendo encenar um pop-imaginário sadomasolesbocamp (para a definição de CAMP, ver ECO, Umberto, História da feiura, tem um capítulo dedicado ao verbete Camp). Claro que li a obra prima de Stoker, que definiu de uma vez por todas as modalidades draculescas da vampiridade. Nosferatu me é conhecido na literatura e no cinema, na versão alemã e na atuação inesquecível de Klaus Kinsky. A rainha dos vampiros, Anne Rice, me satisfez até o volume três, A rainha dos danados, depois quis misturar outros ingredientes que tornaram a leitura muito chata.
Claro que Salem's Lot e todos os contos derivados dessa história vampiresca de autoria Stephenkinguiana foram devidamente lidas. Também já li os primeiros dois volumes da trilogia de vampiros (do mal) de Guilherme del Toro. Quero dizer, não tenho preconceitos contra a literatura e a filmografia sobre vampiros. Tenho uma boa dose de cultura pop sobre o assunto.
Então, preciso entender o que me pega nessa história dita "de vampiros", a saga Crepúsculo, que me faz assistir fascinada e, ao mesmo tempo, horrorizada, como se estivesse na frente de uma cobra?
Entrar no fantástico mundo de Bella e de seus amigos estranhos não é penetrar um mundo de escuridão, mas é como pular na sala de jantar de uma tranquila família americana da década de 1950, com o final feliz da donzela que amansa a fera. O vampiro, hoje em dia, poderia ser qualquer rapaz metido a rebelde, mas convencido de que o amor vence, sempre, sobre o mal.
Já essa história de vampiros vegetarianos, que só chupam sangue de Bambi e outros bichinhos inocentes é tudo que não pertence à imaginação clássica da literatura fantástica.
Depois, tem o lado racista: os lobisomens, realmente mais parecidos com pets de estimação, são os membro de uma tribo indígena. Apesar de sanguinários e poderosos, são pobres, vivem na reserva e o outro amigo roleiro da Bella, o lobinho apaixonado, anda de gol velho, enquanto o Edward só dirige carrão, de Volvo para cima.
Qual é a dúvida sobre a escolha entre os dois? Entre uma vida de trabalho até a morte e a imortalidade na riqueza? Para Bella, se há dúvida, é só porque o riquinho sumiu por um tempo. Tem uma cena emblemática, em que Edward se apercebe que Bella que virar vampira porque fascinada pela vida deles. É uma cena em que se articula a idéia de que ëu te amo, mas amo seu carro, seu luxo, sou seduzida pela idéia de ser a mulher que se encaixa nisso... inclusive porque a estrutura inteira da história se baseia no fortalecimento da moral heterossexual e patriarcal. Edward nunca quebra as regras, muito pelo contrário, as defende. É pior do que qualquer ser humano contemporâneo, pois:
1) Não está disposto a transformar a moça em uma criatura poderosa (EMPOWER HER NOW!!). Muito pelo contrário, quer que fique humana e se propõe a ser o "protetor". Remete ao arquétipo ideal da mulher-criança, indefesa e frágil. Não adianta falar que ela quer virar vampira desde os primeiros cinco minutos do filme: ela aceita as regras do jogo dele. Obedece.
2) Impõe abstinência sexual até depois do casamento. No mundo do horror a virgem sempre é sacrificada aos demônios, aqui só se assiste a uma cena adocicada que usa a já manjada metáfora de "afundar nas águas profundas". Não adianta falar que ela queria desde antes do casamento: é uma mulher que se deixa domesticar. Lá onde o vampiro, desde sempre, é portador de uma carga erótica, aqui esta carga é negada, postergada, disfarçada. O lado noturno, soturno dos vampiros, aquela escuridão que é o desconhecido, é completamente eliminada: o sol, indispensável aos humanos e fatal aos não-mortos, não somente não mata Edward, mas o faz brilhar pior que vitrine de joalheiro!
3) O destino biológico é mais forte que tudo. Bella será mãe, ainda que adolescente, e o será mesmo que possa custar-lhe a vida. Cuidado, se o mundo de nossos desejos é este, qualquer discussão sobre aborto será eliminada... legiões e legiões de adolescentes cresceram e crescem enfeitiçadas por Bella e Edward, com este conto de fada pequeno burguês e patriarcal... Pensem na apropriação voyerista de Edward em relação ao sono de Bella: ela nem sabia que havia um cara espionando-a havia meses enquanto se encontrava na intimidade de sua casa. Ah, fala sério! Ela não dá um soco na cara dele, mas se sente "amada", "desejada" pelo Edward quando este confessa ter entrado e ficado no quarto dela para...olhá-la! Ele se torna dono dela na medida em que é dono desse olhar que o satisfaz (voyer mil vezes), olhar voraz que não toca o objeto do desejo, mas o mantém em seu poder. Ela dorme, é indefesa. Ele olha, aprende a controlar a fera que existe nele, nega o saudável egoísmo dos vampiros que se apropriam dos humanos ainda que contra a vontade deles. Nega a sexualidade de Bella em nome de seus valores de homem nascido em outra época , no começo do século XX... se esquecermos disso, o rosto eternamente jovem de Edward nos enganará, nos fará esquecer que aquilo é um adulto, um velho na alma. Mas, sim, houve um engano. Uma recusa. os velhos, para existirem, devem parecer jovens. Edward Cullen é um velho, praticamente um pedófilo, a bem ver, mas a gente esquece pela carinha tão lisinha... ele tinha 17 anos em 1919... Mas não tem problema, homens de idade são expertos, quando comem a mocinha. É bom lembrar que no segundo episódio Bella se deprime porque faz aniversário... de 18 anos! E fica pensando que ela vai envelhecer e ele não... e, ao contrário dos homens velhos que são machões quando copulam com moças jovens, mulheres velhas fazendo o mesmo nos suscitam incômodo. Pelo menos, é isso que a cena em que Bella é uma senhora idosa ao lado de Edward deveria provocar. Seria um absurdo. O contrário, porém, não é. Edward é o sonho de gente como o ex-primeiro ministro italiano, Berlusconi , que se torna o proprietário de mocinhas que, talvez, tenham gostado de Crepúsculo... Berlusconi é um velho que acredita que para existir deve se parecer com um jovem (e trasplanta cabelos, e faz plásticas, e usa quatro dedos de base na frente das câmeras, além de outros recursos para não assumir sua idade. Os resultados suscitam riso e desprezo, mas só em uma parte das pessoas. Patético, sim, mas rico, muito rico, mas muito mesmo, este elemento tem eleitores, eleitoras, poder, mídia, dinheiro...
BerlusCullen????? Só isso para se pensar sobre velhice/juventude/vampiros/mocinhas.
Existem, ao longo da trilogia, inúmeras referências sobre quão totalmente e absolutamente perigoso e satisfatório seja o amplexo vampiresco. Os humanos não aguentam, mas as vampiras agradecem. pelo menos, é isso que a gente é levada a crer pelas falas suspensas das personagens... e depois, tudo isso, toda esta expectativa se reduz ao "dia depois": se vêem dois infelizes, Bella e Edward, nessa ilha paradisíaca no Rio de Janeiro, em várias sequências que parecem diretamente importadas do set de filmagem de Ingmar Bergman do Diário de um casamento: cenas torturantes de casal em crise, brigas, a maldita água que pinga da torneira... Enfim, cadê o amplexo vampiresco?????????
Ninguém se sentiu traído pela versão banal e chata dos dois que se olham sem qualquer vontade no dia seguinte????? Parece que o casamento não vai dar muito certo, a promessa toda dos fogos artificiais produzidos pelo sexo vampiresco parece que não vai se cumprir.... mas eis a salvação do casamento, a irredutível força da natureza da mulher: a gravidez! Somente enquanto mulher viva, e não como vampira, Bella pode ser mãe (adolescente). Ainda hoje, ao que se parece, o Destino Manifesto único e último para as mulheres, mesmo aquelas envolvidas com o sobrenatural.
Ah. Bom. Então. Fala sério.
Precisa conhecer tudo isso, se trata, afinal, de um fenômeno editorial e de cinema. É necessário formular as palavras que permitam entender que esta saga é um pântano perigoso para um pensamento libartário, porque melhor adequação ao mundo humano de sonhos e desejos propostos às mulheres é impossível: os vampiros são o sonho patriarcal capitalista, corpo incrustado de jóias, mansões em ilhas particulares no Brasil, carros de luxo, cartões de crédito para conquistar a mocinha....
O que aconteceu que transformou o vampiro em sex-symbol, que transformou o medo em desejo de consumo, que a donzela escolhe ser aprisionada na cerca moralista e paternalista de um senhor de idade fantasiado de mocinho?


sexta-feira, 8 de junho de 2012

CAMINHÕES, MULHERES E LUTA DE CLASSE...


Querido diário,
ontem foi um feriado bem interessante. Fui almoçar em Camp Potatos, e a estrada de Black Stream para lá propiciou-me alguns pensamentos. Sabe, diário, que fui de caminhão? Não um dos grandes grandes grandes caminhões, um caminhão daqueles menores. Na direção: uma grande mulher que me explica sempre coisas bem interessantes, tipo que muitos compradores desse caminhão são mulheres. Gente tipo uma mãe e uma filha super chiques, que querem o veículo para seu negócio. O veículo será dirigido por uma funcionária da empresa delas. Achei magnífico. Quem circula por Black Stream sabe que há uma grande trabalhadora que anda com esse tipo de caminhões, que se rebatizou com o nome de Penelope Guincheira.
O caminhão é um objeto estranho: se viaja olhando de cima, inclusive vi os canaviais com essa nova perspectiva, que é diferente daquela propiciada por um ônibus. Modelos básicos, se sabe, não costumam ter muito conforto. Aí, pensei uma coisa, querido diário, que tem a ver com o capitalismo e com possuir os meios de produção. Coisas como os caminhões são meios de produção que alguém, possivelmente com um capital, compra visando lucro. Isso é: é uma máquina que deve aguentar até um peso X, que deve ter uma potência Y, um gasto Z, e assim por diante. Muitas vezes, quem dirige o caminhão não é o proprietário, mas um funcionário, alguém assalariado. E aí, pensei que, puxa, quem dirige, muitas vezes por longas horas, o faz em condições de conforto mínimo. Não adianta inventar, se trata da velha e boa exploração da força de trabalho, dos corpos dos trabalhadores. O que importa é a eficiência da máquina, não a saúde do peão na direção...
Adorei viajar de feminista com o bom velho Marx me acompanhando de Black Stream até Camp Potatos!

sexta-feira, 1 de junho de 2012

HISTÓRIAS (COM FOFOCAS) DE QUALIDADE GLBT


Outro dia, percebi, mais uma vez, que muitas pessoas precisam se informar sobre temas "quentes" na pauta da política global: a questão GLBT. Vejo isso como algo estranho: hoje o Papa está em Milão, para "celebrar a família", justo na cidade cujo prefeito está trabalhando para conceder o direito à União Civil; o Serra, no estado de Capital City, para vencer com o apoio da bancada cato-evengélica, se declara absolutamente contrário ao reconhecimento dos direitos GLBT. Há anos venho "construindo" um capital bibliográfico pessoal sobre a história, a literatura e a teoria GLBT, e me parece interessante começar a compartilhar essas informações com quem quer assuntos e argumentos culturalmente "diferentes". Os últimos livro que comprei foram um ensaio e uma biografia.
O ensaio é em espanhol (ou no original italiano), se chama Gay - la identidad homosexual de Platón a Marlene Dietrich, e o autor é Paolo Zanotti. A editora é o Fundo de cultura econômica, o ano da edição que tenho é 2010.
É um livro que recupera a representação GL através de suas personagens e suas "letras". É ótimo para saber quem era e quem não era, como se via, como mostrava e como era visto. É muito agradável, uma forma de fazer "fofocas intelectualizadas" sobre grandes personalidades GLBT na realidade, na literatura e no cinema. Um dos méritos do livro é de contemplar também as mulheres, mérito que, ao mesmo tempo, é também seu limite: o autor é um gay, então desconhece muito sobre as mulheres! Ainda assim, dentro do que pode ser encontrado por aí, já ajuda. No resto, eu tenho algumas sugestão para ampliar essa parte. Por exemplo, existe por aí uma biografia sobre Liane de Pougy, muito agradável de se ler, do qual não lembro nem autor, nem título, sorry. 

Mas, quem era Liane de Pougy?  Uma figuraça da Belle Epoque em Paris. Nascida no final do século XIX, essa mulher de rara beleza casou, mas logo resolveu que aquilo não era para ela. Fugiu para Paris e começou a se prostituir nas ruas. Teve muita, muita sorte, pois se deparou com uma talent scout, uma ex-prostituta, já senhora, que agora exercia como cafetina de luxo. Reconhecendo o talento de Liane, a levou para "outras esferas": Liane se tornou acompanhante dos grãos finos, atuando também no teatro de revista, não muito vestida. Na época, o rosto de Liane era postal de Paris. Ela teve uma grande rival, outra beleza do tempo, a Bela Otero. Bom, Liane frequentava grandes banqueiros e capitalistas, mas também artistas e escritores. 
Antes de seguir com a história de Liane, um parêntesis: a cafetina, cujo nome nesse momento me foge, desculpem, também é uma figura interessante. Fez carreira no mundo do sexo a pagamento, frequentando também essas personalidades tão variadas. Não podemos esquecer que as mulheres proletárias ou burguesas da época não tinham assim um acesso muito fácil ao mundo artístico e intelectual e a "marginalidade" da prostituição de luxo permitia que elas tivessem contato com a alta finança e a cultura avant-garde do tempo. Isso tem a ver com a diferença de inserção social das mulheres... Bom, a senhora era conhecida de Emile Zola, que a utilizou como modelo para sua personagem Naná. Essa senhora, chegada a hora de se aposentar após uma vida de trabalho e de poupança comprou um casarão em uma avenida parisiense e gozou de boa vida até o final. Vez ou outra voltava à ativa, apesar da idade, "para não perder o treinamento", dizia. Zola, que é um homem no fundo um pouco moralista, desenha para Naná uma trajetória com um final diferente, pois a mata de varíola, deturpando o rosto e o corpo que foram a fortuna da moça. No romance Naná tem uma cena lésbica precursora de certas imagens eróticas para os olhos do mundo heterossexual, mas ao mesmo tempo  vale conferir: Naná "faz coisas" com a amiga inglesa sobre um sofá, enquanto os potenciais clientes conversam e observam ao lado. Essa referência falta no livro de Zanotti, assim como falta a Liane, e já volto a ela e explico porque.
Liane, então frequenta o belo mundo, é "mundana" de verdade. É conhecida de Proust, e seu destino um pouco recalca o de sua antiga cafetina, pois ele (gay a não poder mais) molda em Liane, de maneira um pouco misógina, os traços de sua personagem leve/ leviana, Odette de Crecy. 
                                                 Liane de Pougy e Nathalie Clifford Barney


No entanto, em Paris, reside Nathalie Clifford Barney, uma rica lésbica americana de muitos amores. Sabendo da fama e da beleza de Liane, Nathalie a convida para sua mansão e a coisa acaba com as duas juntas por um bom tempo. Depois se deixam, Nathalie terá um longo relacionamento com outra figura de destaque na Paris da época, Renée Vivien, enquanto Liane, chegada aos quarenta, se retira da profissão e garante seu futuro casando com um príncipe gay romeno. Uma história e tanto, que não merecia ser esquecida...
O outro livro que encontrei recentemente é Flores raras e banalíssimas A história de Lota de Macedo Soares e Elizabeth Bishop, deCarmen L. Oliveira, publicado pela Rocco, se não me engano em 20122. O livro conta não somente o relacionamento entre as duas, mas também revela a vida extraordinária e desconhecida de Lota, envolvida com a fina flor intelectual e artística brasileira.
Tenho mais duas sugestões literárias e cinematográficas, mas só amanhã, que hoje preciso trabalhar!

quinta-feira, 31 de maio de 2012

PENSAMENTOS PRIVADOS, PALAVRAS PÚBLICAS.

Páginas escritas e lidas em ocasião do evento "Opressão: machismo e homofobia na Universidade" na Faculdade de direito, Ribeirão, 30 de maio de 2012.

Senhoras alunas e mulheres que me prestigiam com seu interesse nessa página de reality show de uma mulher de 43 anos. Senhores alunos e homens, que com sua presença revelam pelo menos uma possibilidade em abrir uma dialética da convivência digna com as amigas e as parceiras com as quais, quotidianamente, vocês devem conviver:

Gostaria de propor a vocês algumas questões em forma de diário. Pensei que uma coisa que está faltando, e muito, é a volta a um dos fundamentos das lutas pela emancipação feminina, que reside nas palavras “O privado é público”. No início da história do feminismo, as mulheres tinham suas conversas de mulheres, sobre seu dia-a-dia. Nada que, até hoje, esteja fora do comum. A grande diferença do feminismo foi a capacidade de traduzir as questões que envolviam o privado em ação e movimento. Levaram à praça pública as palavras que diziam o silêncio que cercava, no espaço público, suas vidas, necessidades e exigências.É nesse sentido que resolvi utilizar, hoje, um registro que me pertence não porque sou biologicamente mulher, mas porque fui criada como uma. A linguagem que posso tentar, aqui, hoje, é aquela que melhor traduz as minhas inquietações como feminista não somente acadêmica, mas na vida quotidiana. Não gosto de ser panfletária, quando me dedico a algo que tanto me diz a respeito, que é o meu próprio jeito de estar no mundo, e quero fazer o máximo para convidá-los a entender um dia de uma mulher burguesa de 43 anos, que trabalha na universidade, não tem filhos, é branca e estrangeira. Tudo isso deve ser colocado com clareza, explicitado, porque são as minhas identidades e diferenças com vocês. O que vou ler também busca provocar momentos de identificação e até de oposição. Ofereço-lhes meu dia para vocês medirem os seus, para procurarmos, de novo, palavras que permitam o sentido da ação.

Ribeirão Preto, 30 de maio de 2012.

Querido diário,

Hoje tem sido um dia daqueles que não dá para contar, pois envolve muitas coisas que, se colocadas em um lugar público, provocam um certo arrepio, coisas que pertencem à esfera mais íntima de uma pessoa, o corpo. Coisas que podem ser reveladas unicamente a um diário, no máximo, máximo, a uma amiga querida... Mas vamos com ordem, que depois essa matéria tão íntima fica tumultuada, meu caro diário, e se um dia eu for ler novamente essas memórias, vou querer lembrar direito. E imagine se alguém mais fosse ler, sei lá, esqueço você, meu diário, em alguma gaveta e, depois de morta, você é encontrado e folheado... bom, aí não vou querer mesmo que alguém fosse entender tudo errado! Sei lá, escrever é complicado, até em um diário, pois nunca se sabe onde pode cair. Pelo que sei, gostaria de saber misturar alguns gêneros literários... O que teria sucesso de vendas? O que os curiosos gostariam de saber, quando fossem ler esse diário? O que eu poderia querer que lembrassem de mim? Na verdade, a preocupação é secundária... Um diário serve para falar de mim, de meus acontecimentos e daquilo que me provocam, se um dia houver outro leitor, que se vire, tenho lá eu que me preocupar também depois de morta se e como sou “decorosa” ou “indecorosa”. Que palavras mais antiquadas, decorosa e indecorosa. O decoro como virtude. Então, não quero me preocupar muito se em um diário sou ou não virtuosa. Ah, não, um diário é um diário, essa sou eu, e se algum tiver a manha de ler, vai encontrar o que eu quero. Pausa... possível que nem em um diário eu encontre descanso sobre o que sou, ou o que digo ou, pior o que escrevo? Sei lá, de repente o vicio acadêmico toma conta de mim. Quando escrevo para a academia preciso usar uma linguagem que, um pouco, me estranha. Em um paper, em um artigo, em uma aula, preciso usar uma linguagem “neutra”, a boa, velha linguagem neutra da “ciência”. Sua capacidade de afirmar, de sustentar hipóteses de maneira clara, afirmativa, comprovada. Neutro. Certo. Só que eu não cresci educada totalmente a isso. Eu até que desde cedo procurei me entrosar no “neutro”, mas acabei me tornando... mulher. Desde que no jardim de infância tiraram o retrato fotográfico de cada um. Eu tinha quatro anos, e até hoje me lembro da cena. A cada menina e menino perguntavam se na foto queria aparecer com as bonecas ou com a bola, os carrinhos e os soldadinhos. Como eu desenvolvi uma certa bulimia simbólica e na geladeira (na tristeza existencial, frustração e infelicidade, comeria o mundo. Por isso minha geladeira fica um pouco fria, escura e vazia, que nem a origem do universo. Pois a frustração e a tristeza existencial não podem se traduzir em peso). O tempo passa, e ninguém, nesse mundo, presta atenção às senhoras acima do peso e enrugadas. Traduzindo: esta mundo não é para as velhas. Seria, então, eu também, fã de Ana & Mia? Transtornos alimentares para não assumir o tempo que passa. Uma mulher, ao que parece, só é mulher enquanto objeto desejável (nem sequer desejante). É mais difícil prestar atenção em uma mulher jovem o em uma velha? Que quando se envelhece, só podemos ser mães e avós...

Voltando à foto, justamente por essa tendência à bulimia existencial já desde criança, quase de imediato falei que queria tanto as bonecas quanto o resto. Sei lá, de alguma obscura maneira queria que, naquele momento, ficasse registrado que não, não me importava o objeto em sim, mas o ato de brincar. De me divertir com tudo que pode ser divertido para uma criança. Definitivamente, eu era uma criança cheia de esperanças e boas intenções, mas a realidade era que, mesmo tendo a sorte de um pai anarquista e de uma mãe feminista, quando recebia presentes muitas vezes eram Barbies. Tinha uma verdadeira coleção: aquela loira, branca, de cabelos escorridos, com as pernas que ainda não dobravam. Aquela outra loira que já dobrava as pernas, a terceira loira de cabelo babyliss, a quarta de biquíni e com bronzeado, depois tinha a Barbie negra (mas de cabelo escorrido, chamava Cara), a irmã (ou sobrinha, sei lá) da Barbie, a Skipper, que virava o braço e crescia o peito em um instante, se tornando uma outra Barbie baixinha. Depois tinha a Ginger, que não sei se era só amiga da Skipper ou o amor da vida dela, rigorosamente trancado no armário (acho que saquei muito mais tarde que as duas podiam ficar juntas, felizes para sempre, duas lésbicas fashion riquinhas e empolgadas com o surfe, as festas... mas não podia antecipar os tempos, o seriadinho The L Word veio muito, mas muito mais tarde). Só sei que tinha também um Ken, mas ele era muito chato, não sabia bem o que fazer com ele. Minhas amigas faziam ele beijar a Barbie, mas eu achava meio que uma perda de tempo, minha Barbie era e fazia muitas coisas: medica, astronauta, paisagista, e ao mesmo tempo tinha que construir sua casa, cuidar da irmã/sobrinha, cozinhar... enfim, uma vida dura que o Ken, me parecia, não levava (o cara, aparentemente, não tinha muita outra atividade a não ser beijar a Barbie. Um verdadeiro tédio, um homem sem ocupação definida que anda de carrão para um monte de festas. As meninas não gostam do Ken, vai ver que o instinto as alerta que se trata de um boneco que introduz ao mundo dos cafajestes). Então, na foto, está imortalizada uma criança: Eu. Cabelinho curtinho, enroladinho, cara de sorriso tímido. De um lado as bonecas, do outro o resto. E eu, no meio, com uma vida feita de dias muito cheios de tarefas para minhas Barbies. Eu era criança, minhas frustrações não eram muitas, cresci em um ambiente saudável com pais que me ensinaram a sempre questionar, não obedecer somente porque alguém manda, em nome de qualquer autoridade. Eles são os primeiros responsáveis pelo meu olhar sobre o mundo, no bem e no mal. Minha mãe, quando casou, deixou a faculdade e virou dona de casa. Depois de três anos, olhou para meu pai e comunicou que uma vida em casa, dedicada a uma filha e a um marido não a satisfazia plenamente. Voltou a estudar biologia, se formou em menos de quatro anos e se tornou pesquisadora na Universidade. Cuidou de mim e de meu irmão. Um modelo e tanto. Meu pai, professor de física, sempre na universidade, desde que me lembro dividiu todas as tarefas práticas e de decisão com a minha mãe. Devo dizer que tive sorte, em crescer nesse ambiente.

Infelizmente, o ambiente familiar afortunado e o mundo fora dos muros domésticos não concordavam plenamente com essa visão de mundo. Os primeiros problemas dessa educação, para mim, surgiram no primeiro grau. Estudei em uma escola de freiras, mas minha professora era uma jovem laica. Estudei nas freiras porque fui à escola com cinco anos, e na época as escolas públicas não aceitavam crianças com menos de seis anos. Tendo começado nessa escola, que desfrutava de dinheiro público (custando, assim, muito pouco), acabei continuando nela até mudar, no ginásio para outra escola, essa sim, pública.

A escola era somente feminina, tanto no corpo discente como as docentes. As coleguinhas vinham, na maioria, de famílias católicas abastadas. Eu, não. Meus pais não são católicos nem de outra religião. Eu, definitivamente, não sou católica. Meus avós paternos eram gente da burguesia trabalhadora, minha avó filha de um pequeno empresário têxtil, meu avô contador. Do lado materno, tenho origens proletárias: meu avô foi policial militar, uma profissão para os pobres, na época, e depois foi operário em uma indústria química. Minha avó foi boleira e, na década de 1950, meu avô saiu da fábrica e os dois abriram um restaurante/pizzaria na cidadezinha de praia onde moravam. Minha avó, que não era feminista, foi outro modelo importante, sempre, sempre me repetia que ela queria que eu trabalhasse: uma mulher que trabalhava, para ela, era uma cidadã que não dependia de ninguém, que podia sempre sobreviver sem compromissos que a colocassem em situações de humilhação. Eh, grande mulher, minha avó! A outra avó, que não trabalhava, gostava de ler, e me dava livros de presente, alimentando minha mente e curiosidade. Ela que me presenteou com minha primeira edição de Alice no aís das maravilhas, Tom Sowyer, Huck Finn. Bom, aí, vou eu à escola das freiras. Aprendendo que a mamãe é o anjo do lar e que o papai é o provedor, coisa que, pontualmente, provocava minhas perguntas em casa sobre o que era aquilo, pois todas as mulheres de minha vida não passavam o dia como na escola me ensinavam que elas deveriam fazer. E outra: as próprias freiras eram o quanto de mais distante eu podia ver do modelo que propagandeavam de mãe/esposa/anjo do lar: mulheres que não eram casadas, não tinham filhos, eram diretoras, professoras, dirigiam uma escola, um internato, um refeitorio... A confusão estava armada em minha cabeça.

É nessa época que eu sofri o que muitas mulheres sofrem, o abuso sexual. Falando claramente: abuso sexual não é estupro. Não precisa nem ser uma forma de violência física. O abuso sexual sobre uma criança começa quando um adulto aproveita de qualquer maneira do corpo ou da mente de uma criança para obter uma qualquer forma de satisfação sexual. No meu caso, foi um pediatra. Portanto, duplamente difícil de se apontar o dedo, com oito, nove anos, e falar com voz infantil: “Mamãe, o doutor me tocou onde faço xixi, enquanto você, confiando em sua autoridade de adulto e de medico, me deixou alguns minutos sozinha com ele, quando você foi buscar algo que esse homem te pediu”. Imaginem o sentimento de uma menina nessa situação. Bom, somente depois de adulta acabei descobrindo que a maioria das mulheres que conheço em algum momento tiveram algum tipo de invasão corporal mais ou menos dessa natureza. Eu só sei que deve ser por isso que gostaria, sempre, de poder escolher um medico mulher. Na época não gostei desse acontecimento, me assustei e isso, de alguma maneira, me marcou. Hoje, esta seria uma postura que poderia levar um medico a ter sérios problemas, mas na década de 1970, sem um adulto vendo isso acontecer, o que fazer? Nada. E é isso que eu, criança, fiz: nada. Somente anos, muitos anos depois contei isso para a minha mãe. Que, por sua vez, relatou de quando um oficial que devia fornecer os alvarás para o restaurante dos avós colocou as mãos onde não devia na minha mãe adolescente, ela fugiu do escritório e se recusou a voltar para lá sozinha. Minha avó deve ter intuído alguma coisa, pois não insistiu. Também, não tinha muito o que fazer, e nada foi feito: qualquer legislação a respeito é muito recente e, apesar de existir, muitas vezes é desconhecida ou de eficácia escassa.

Mas não me tornei uma mulher apavorada pelos homens. Se toda menina, adolescente ou mulher que passa por experiências dessa natureza tivesse uma reação de pavor generalizada, a espécie já teria se extinto há muito tempo.

Falando nisso, justo hoje abri meu feissbuc, o reino da inconsistência do espetáculo público, a terra da ilusão da multiplicação infinita de nossos 15 minutos de fama. Bom, nesse imenso parque de diversão da efemeridade global, a página jogou na minha cara uma obra prima da gráfica feissbuquiana. Era um quadrinho dividido em vários quadros, oferecendo a visão das formas de depilação das partes íntimas das mulheres desde 1940 até os nossos dias. Mas essa obra de arte, em si, não me preocupou tanto, pois podia apontar para muitos discursos possíveis. O que me deixou francamente incomodada foi a série de comentários ao lado, na maioria masculinos. Nos comentários se torcia claramente pelo modelo 2012, onde o pedaço de mulher oferecido aos olhos estava completamente depilado. Um verdadeiro hino à pedofilia, já que na Natureza o pedaço de carne, pardon, de mulher em questão somente nas meninas antes da puberdade se apresenta naquele estado. Fiquei me perguntando como me sentiria, olhando-me no espelho do banheiro, eu, com 43 anos, e uma periquita de criança.... mas por favor, economizem-me! Ridículo! Tenho mais o que fazer que imaginar uma coisa assim! Se alguém não gostar do jeito que uma mulher é quando adulta, a porta é aquela, saudações e te encontro de novo no dia 31 de fevereiro, sim, depois do carnaval, assim te explico melhor o que é quaresma. Mas, no feissbuc, a torcida pelo modelo criança está grande. Querido diário, você pode me entender, você é o único que pode: ver exposto por todos os lados o convite a escolher mulheres meninas já é desagradável para alguém que passou pela experiência de ser “manipulada” por um adulto. Mas não é só isso: fico pensando que as adolescentes de hoje vão odiar o fato de suas periquitas não se manterem infantis. E fico pensando que esta é somente uma das formas exteriores que vejo por aí de manter uma mulher em um estado de infância perpétua. Os homens se tornam, em um meio de circulação de idéias tão amplo como o feissbuc, os juízes de um objeto do qual, evidentemente, se consideram os donos e, como tais, dispõem a seu belo prazer. Agora: eu sei que isso não passa de uma bobagem, que é fácil responder que é só uma brincadeira, uma piada. Sei que se eu falasse aos colegas professores da faculdade de uma coisa dessa seria liquidada ou com caras de constrangimento ou com mais alguma piadinha infame. Assim, na faculdade não comentei nada. Comentar coisas de gênero não é considerado acadêmico, é papo de mulher infeliz que está envelhecendo e que olha com inveja para as representações que os jovens fazem do sexo.... Será, mas me parece que a academia não está muito se ligando no que acontece nas relações de gênero do dia-a-dia.

Acontece, porém, que uma postura desse tipo se transforma em mil outras maneira de tratar uma mulher e o corpo dela, isso é, do meu. Por exemplo, minha visita ao ginecologista, hoje. Infelizmente, não tive a possibilidade de escolher uma mulher, me impuseram um medico homem. Não que isso a qualifique necessariamente como melhor profissional. Mas me deixaria a ilusão de que poderia ter um pouco mais de respeito, sabendo o quão desagradável é ser paciente dessa especialidade.

Eu vivo trocando ginecologista. A visita ao ginecologista sempre tem um que de humilhante, afinal, apesar de estarmos no campo da ciência, aliás, nas mãos da ciência, é a intimidade mais complexa, aquela que estamos expondo a alguém que não é bem uma pessoa de nossa esfera íntima. Sabe como é, querido diário, questões culturais sobre expor minhas intimidades naquela posição que impossibilita qualquer fuga pesam sobre mim! Talvez somente um homem adulto e inteligente com mais de quarenta anos (que já foi, então, a uma visita com um proctologista que, às vezes, pode ser uma mulher) possa entender o quão desagradável o ginecologista possa ser.

Em primeiro lugar, a gente responde a perguntas protocolares: idade, primeira menstruação, já teve gravidez, abortos, doenças, se usa anticoncepcional. Aparentemente, são perguntas inócuas tanto quanto as de um oftalmologista, que pergunta se enxerga bem de perto, de longe, se teve algum trauma aos olhos, alguma operação... Eh, certo, aparentemente é a mesma coisa. Exatamente. Fora o fato que o protocolo parece impor uma certa heterossexualidade compulsiva. Nenhum ginecologista, até hoje, depois de conhecer meu nome e idade teve alguma dúvida sobre minha orientação sexual. Talvez, se o protocolo de perguntas mudasse, mudaria também a abordagem diagnóstica sobre mim. Acho que as perguntas não deveriam se formular a partir de uma única hipótese normativa e prescritiva. Uma vez, depois de todas as perguntas rituais, respondi que eu estava com um problema de perdas. O elemento de avental branco me olhou e disse: “Mas vocês mulheres não precisam de um medico, vocês precisam de um encanador”. Exatamente o que uma mulher preocupada com sua saúde precisa ouvir antes de ficar ser roupa nas mãos desse senhor gentil, de prosa elegante e francamente disposto a te deixar à vontade, se colocando no papel do encanador. Um verdadeiro horror. O melhor foi outro, que me visitou sem sequer avisar do que estava fazendo. Bem desagradável. Claro, entendo que os médicos, hoje, devem ser produtivos e não há como perder tempo com delicadeza e gentileza perante corpos despidos de desconhecidas mais ou menos intimidadas, mais ou menos desconfortáveis, mais ou menos preocupadas.

Enfim, falo isso porque existem os profissionais que se dispõem um pouco mais a te ver como uma pessoa que não corresponde unicamente ou exatamente aos órgãos que estão visitando. Eu não sou um cano que vaza, a linguagem é, sim, importante. Assim como é importante que um medico te explique o que está acontecendo em sua menina flor, periquita, vagina e útero, como quiser chamá-la. Só sei que este som lúgubre de Útero lembra uma coisa perigosa. A letra U nos desfavorece. Assim como todo o repertório de palavras que pontuam nossa vida sexual: menarca (querido diário, você deve saber que se trata da primeira menstruação de uma mulher), que soa uma espécie de monarca, mas que é menos, menarca. Sei que não tem nada a ver com a etimologia da palavra, mas soa tão ruim, que ninguém usa. Depois tem a menopausa, novamente algo a menos... Não conheço sinônimos de menopausa. É menos e ponto. Menos Mulher? E a própria palavra, impronunciável, menstruação, que parece um xingamento em polonês! Menstruação: uma palavra sempre substituída por eufemismos delicados, quase fosse uma ofensa (efetivamente, em termos de fonética, a palavra ofende os ouvidos...): aqueles dias/o Período... palavras que não significam nada disso, a não ser quando pronunciadas a meia voz, até com constrangimento.

A questão, você vê, meu diário, é de um desaconchego profundo, sempre, com esse corpo que não é neutro, nunca. Eu gosto muito das mulheres que me preparam para a mamografia: em geral ajudam você a espremer seus peitos em uma máquina com a postura de quem sabe que não é o momento mais agradável do dia de uma mulher. Sabem também que uma parte das mulheres que se submetem ao exame tem ou saberá que tem algum elemento de preocupação. Querido diário, vou te voltar ao útero. Uma mulher pode ter uma vida sexual plena e satisfatória sem usar o útero? Claro que sim. O útero serve unicamente para a gravidez. Fora isso, é extraordinariamente ativo uma vez por mês em nos tornar alvo de muita propaganda de absorventes. Na verdade, querido diário, nos últimos anos a frase do ginecologista a respeito de precisarmos de encanador se tornou evangelho do marketing. Ao que parece, nós mulheres não somente precisamos de absorventes com abas, sem abas, suaves, secos, perfumados de frutas cítricas, com dupla e tripla barreira anti-vazamento. Ao que parece somos um verdadeiro problema de saúde pública, piores que esgotos a céu aberto. Para o mundo, nos mulheres vivemos vazando trinta dias por mês. Portanto, precisamos sempre por mais uma barreira entre nossos vazamentos e a calcinha, imagino para proteger o mundo das enchentes que provocamos. Alem disso, as mulheres fedem. E não pouco. Pois todo dia, na publicidade, nossa menina flor contradiz esse seu nome, precisando de materiais saponáceos com cheiro de lavanda, de frutas vermelhas, de pinho sol. Tudo delicado, certo, mas para as mulheres um sabão neutro normal não é suficiente, como aparenta ser para os homens. Não, nós mulheres precisamos encobrir cheiros selvagens que são de nossa natureza, aparentemente inevitáveis com uma seria lavagem com produtos específicos. Já isso me deixa preocupada... será que realmente uma mulher precisa cheirar feita um chiclete, aroma artificial de cereja, depois de uma lavagem com um cheirinho delicado de lavanda, como se estivesse usando amaciante de roupa?

E nossa natureza revoltante está também nas axilas, é claro, que hoje em dia ficam gastas e escurecidas, novamente como roupas velhas, precisando de um tratamento clareador/antimofo/anticrescimento de pelo... Ah, meu diário querido, tudo isso faz sentir qualquer uma suja, mesmo depois de um belo banho de ofurô a gente fica se sentindo inadequada, me parece inevitável!

A Barbie não tinha tantos problemas com uma higiene pessoal voltada para torná-la uma criatura plastificada, sem perdas ou vazamentos, sem cheiros eventuais... ela já vinha assim, mesmo trabalhando muito, e como trabalha a Barbie, sem suar, sem menina flor, sem cansaço, uma verdadeira mulher ideal, pois ainda fala pouco e quando chega o Ken beija na boca sem se sentir fedida! O bom da Barbie era que não tinha nenhuma fissura com a limpeza do banheiro, como as mulheres que vejo na telinha parecem ter... o banheiro dessas coitadas está sempre em condições lastimáveis. Ou seja: a TV me diz que o cartão de visita da maioria das mulheres deve ser o banheiro. Que é regularmente invadido por troupes de TV que deixam a coitada constrangida e envergonhada.

Vi outro dia que hoje, em tempo de crise econômica, a Barbie mudou, novamente, de trabalho: vem com os apetrechos profissionais da Barbie professora. Sei lá, acho que comercialmente não vai emplacar muito: abaixo de Barbie Manager eu não vejo como possa ter um bom mercado... professora é uma profissão complicada na realidade de muitas mulheres. Ela é simples somente para os fieis escudeiros do Paulo Maluf, que dizia que não é professora que ganha pouco, o problema é que ela é mal casada. Certo, com um aproveitador como o Ken, a coitada da boneca é mal casada mesmo...

Querido diário, hoje, como todos os dias, acordei, tomei café, conversei com alunos e colegas, sem precisar saber exatamente o que significa ser uma mulher. Me sinto tal, e isso é tudo. Mas nem sempre é tão fácil. Quando devo dar aula, quando sou convidada a alguma mesa redonda, quando participo de alguma reunião, às vezes sou minoria ou, às vezes, sou a única mulher presente. Os gestos, os discursos e os olhares não são os mesmos daqueles de um ambiente composto unicamente de homens. Alguns homens pensam que, como sou mulher, podem interromper, fazer piadas, rechaçar minhas falas como fruto da TPM. Outros se sentem quase compelidos a serem galantes, condescendentes, mais ou menos paternalistas. Ontem, por exemplo, um colega de outra faculdade “homenageou” as mulheres por serem as responsáveis do sucesso masculino. Traduzindo: atrás de um grande homem tem uma boa mãe/esposa, que se ocupa das necessidades quotidianas do grande homem. Que nem a publicidade para as olimpíadas da Procter & Gamble, sobre as “grandes mães”. São, estas, criaturas cruéis que obrigam seus filhos a acordar quando ainda está escuro, vigiam os treinamentos dos futuros campeões, os alimentam, lavam suas roupas e se realizam unicamente no reflexo do sucesso deles. Um pouco me irrita, isso: a mãe que realiza o sucesso de seus filhos é 100% dedicada ao lar e ao cuidado deles. E aquelas mães que trabalham, que não se dedicam esse 100% ao lar e aos filhos, que lidem com seus sensos de culpa por não se dedicar 24 hs. por dia àquela que, evidentemente, continua sendo a tarefa que, oficialmente, devem desempenhar. Os homens são ausentes, no anuncio: provavelmente não existem, abandonaram o lar ou, enquanto provedores, trabalham... Belo modelo, me lembra minha infância, na escola das freiras na década de 1970... Só que em 2012! E alguém diz que as mulheres já alcançaram seus direitos, que podem ficar satisfeitas...

Querido diário, voltando ao meu dia... nos momentos em que estou na esfera pública percebo que preciso gastar uma energia para me lembrar de que meu valor não depende do olhar que os homens podem ter sobre mim. Devo me esforçar para ser ouvida sem paternalismos, concentrar-me em minha fala. Está excluída a possibilidade, porém, que queira me esquecer de ser uma mulher, alguém que não está em um lugar neutro mas, sim, engendrado.

Querido diário, meu problema é que hoje à noite devo participar de um debate sobre gênero, opressão e homofobia, na faculdade de direito. Mais uma vez, me encontro gerenciando meus medos e inseguranças. Autoconfiança. É algo que se constrói devagar a partir da infância, quando aprendemos a ter cuidado de si, longe da mãe. A confiança se constrói quando não somos constantemente desaprovados, quando os pais acreditam em nós, quando nossos amigos e parceiros não nos humilham. Assim, até hoje, continua mais fácil, para um homem, ter autoconfiança. Ainda hoje, apesar das mudanças, a maioria dos pais tende a estimular mais determinadas habilidades e criatividades dos meninos que as meninas. Os brinquedos, apresentados com fortes conotações de gênero nas publicidades, continuam sendo bonecas para as meninas e carrinhos, a guerra, a engenharia de brinquedo para os meninos. As meninas continuam com o repertório privilegiado de brinquedos para aprender a ser mães e donas de casa.

Depois, meu diário, não é de se espantar que uma mulher tenha dificuldades em tomar a palavra em público ou em expressar opiniões diversas daquelas dos homens!

Sempre fico surpreendida, quando observo o comportamento de meus alunos e alunas: elas, em geral, propõem pesquisas excelentes para seu TCC, mestrados e doutorados, mas sempre manifestam seus medos de não estar à altura, de não saber fazer pesquisa e poucas pretendem seguir os estudos. Por outro lado, os rapazes sempre estão convencidos de que suas idéias são ótima e têm mais dificuldades em aceitar as orientações.

Vou escrever de coração aberto, diário, sobre isso. Ainda não sei qual das duas posturas me deixa mais irritada. Às vezes, quero bater a porta na cara de todos, para que apreendam o que significa ser incapazes de avaliar suas próprias capacidades. Mas, é claro, não é isso que eu faço. Não seria educativo e, mais uma vez, seria uma postura que traria desvantagem para as moças. É então que, exatamente porque sou uma mulher (e sei, portanto, o que significa estar na Universidade, e ser aceita na comunidade científica – ainda machista – ), procuro ficar calma e explicar, pacatamente, meu ponto de vista, que basicamente é este:. a autoestima é muito importante, falo para um aluno cheio de si, mas em geral não é suficiente. Pensar um projeto interessante não equivale a escrever um TCC/mestrado/doutorado. Vou te orientar desde que você reflita sobre as criticas que você recebeu. Depois vamos conversar com base nisso. 80% dos rapazes não volta.

Quando falo para alguma aluna realmente boa, por outro lado, meu discurso é diferente. Não quero ser maternal, nem lhe explicar o que deve fazer. Será ela, sozinha, que escolherá seu investimento acadêmico futuro. Me limito a explicar que, na vida, é necessário aprender a lutar e que se falo que o projeto é ótimo, não é para agradá-la, mas porque o penso. Não posso injetar nela a autoestima: se a aluna não tem autoconfiança, não serei eu que vai conseguir lhe dar isso. Posso, porém, dizer-lhe que confio nela e que tenho certeza de que conseguirá. Recebendo confiança de outros pode, aos poucos, aprender a acreditar em si e se aventurar nesse território masculino que é a academia, realizando escolhas não machistas.

Querido diário, o que quero dizer é que, até quando as mulheres não vão parar de se aperceber como os homens as vêem, não conseguirão fundar em si mesmas a auto-estima. Para eu mesma encontrar confiança em mim não foi suficiente eu decidir fazê-lo. Tive que aprender a ser independente do olhar masculino (com isso, querido diário, não quero dizer somente dos homens, quero mesmo dizer masculino, que é problema de gênero, e não de sexo). Tive que aprender que não sou bonita somente quando parâmetros masculinos dizem que sou. Tive que aprender que sou boa também quando ninguém me diz que sou. Já não é fácil obter isso na universidade para um homem! Para uma mulher, é pior ainda. A competição é sempre muito grande, nossos egos docentes ficam, às vezes, tão inflados que não podemos permanecer em dois na mesma sala. E as mulheres, nisso? Em uma universidade que nada tem de neutro, pois a freqüentamos há pouco tempo, em comparação com o prazo anterior que ela teve para se instituir e instituir suas linguagens e regras, nós, as mulheres, não participamos dessa origem, que é masculina e patriarcal. Nós precisamos nos adequar ao existente. E cada uma procura sua estratégia de sobrevivência, se afastando ou se aproximando das expectativas que ela imagina a universidade tenha para ela. É triste e cômico ao mesmo tempo, lidar com nossas posturas de mulheres presas entre os exercícios de feminilidade aguda, de maternidade expandida e de machismo absoluto na maioria do tempo. Querido diário, este me parece um ponto bem complicado, porque todas as vezes que tropeço nele me pergunto em que medida eu mesma, para sobreviver, flutuo entre um modelo e outro? E todas as vezes me proponho me inspirar aos poucos modelos de mulheres admiradas que encontrei no caminho. E me pergunto quanto consigo realmente ser uma mulher que possa ser uma boa medida para as jovens mulheres (e os homens) que encontro todos os dias na faculdade.

Já está tarde, preciso me arrumar para o evento. Pensei em falar algumas coisas sobre a qual todo mundo concorde, tipo que precisa tomar providências para que ninguém discrimine e oprima essa entidade cuja vida metade do universo desconhece. Que humilhar alguém através de “brincadeiras” que envolvem a sexualidade das mulheres muito se parece com assedio sexual, pois nos deixa nas mãos de alguém que, naquele momento, possui a força física ou a autoridade moral de nos subjugar, de nos deixar impotentes. Somente a minoria GLBT sabe o que é isso. Os homens heterossexuais não chegam muito bem a imaginar, precisariam de uma boa oficina. Falar em estupro acho que não vou. Querido diário, a respeito do estupro eu tenho uma pergunta à qual todos riem, mas ninguém responde. A pergunta é essa: “Os homens, desde a Antiguidade, tem reservado para as mulheres um conjunto de atributos construído a partir de ideais que eles colocaram para si. Por exemplo, construíram a oposição Cultura/Natureza, reservando às mulheres a segunda categoria. Decorre disso uma lista infindável de atributos dualistas de gênero. “Razão VS. Emoção” é um deles. Aí estava eu hoje esvaziando minha geladeira durante um ataque de fome compulsivo/bulímica e formulei a segunda parte da pergunta: O masculino (portanto, não somente os homens, mas mulheres também), muitas vezes, utiliza formas de “justificar” ou “amenizar” o estupro com algumas formulas mágicas, entre as quais duas me interessam em particular:

1) A culpada é a mulher, pois era provocante/estava provocando

2) O homem não tem culpa, pois se uma mulher provoca, ele não tem como resistir: é um homem, tem suas necessidades hormonais.

São afirmações iguais, a primeira só subentende a segunda parte da segunda afirmação, que recita que os homens, fundamentalmente, são animais irracionais incapazes de controle, e como isso faz parte da natureza deles, não merecem, de certa maneira, uma punição dura. Mas então, pergunto eu, aquela dicotomia Razão/Emoção pode ser rediscutida? Ou aceitamos sem discutir que, na hora da violência, do assedio, eles voltem a ser criaturas emocionais e naturais, enterrando toda razão e cultura das quais tanto se orgulham e do cume das quais nos olham como criaturas menores?.

Enfim, querido diário, talvez não seja o caso de recorrer às grandes filosofias, pois o tempo vai ser curto e não sei muito bem que público participará.

Somente mais uma coisinha, querido diário, antes de te deixar. Mas amanhã escreverei mais, no segredo dessas páginas. Páginas do diário de uma mulher quarentona que, com certeza, ninguém, nunca, vai achar interessantes.

A última coisa é que, mais uma vez, às vésperas de ir para esse encontro, sinto a indizível sorte de ter nascido mulher. Indizível, pois as palavras para meus dizeres ainda são poucas, as palavras que uma mulher escreve são para diários, para literaturas poucas vezes livres do gênero até nas capas. Sorte, pois nesse meu perambular pela universidade fui obrigada a me apropriar das linguagens e dos gestos do neutro, que não me inclui plenamente. Esse neutro masculino eu conheço, é uma segunda língua que uso todos os dias. Mas tenho uma arma que somente a subalternidade me fornece: alem desse equipamento que não é meu, possuo minhas vivências, linguagens e gestos que advêm do meu pertencer ao gênero feminino. Desse patrimônio, ainda por muitas circunstâncias silencioso e silenciado, sou portadora, dele não abdico. O masculino ignora minhas potencialidades, só me atribui limites. É como conhecer duas línguas: a língua materna, feita de voz e palavras e a língua paterna, feita de escrita. O masculino não possui ambas as línguas, pois considera a primeira um acessório secundário. Minha tarefa, meu papel de mulher docente, é ser portadora critica de ambas e mostrar, principalmente às jovens mulheres, mas também aos jovens homens curiosos, como funcionam os mecanismos da opressão, da desigualdade de direitos, da noção de diferença e de reconhecimento dela. Em parte, faço isso dentro da neutralidade oficial. Mas outra parte, aquela que não se publica, reside em meus gestos, palavras e práxis.

sábado, 17 de março de 2012

O ÓDIO

Film: Le Haine (O ódio).
Me veio à cabeça uma coisa estranha.
Hoje eu fiz a seguinte afirmação: existe uma coisa que chama Estado, que tem sua teoria. Nessa teoria existe um ponto que diz que um cidadão deve ser escolarizado para aprender as regras da cidadania. Eu recebi uma educação que me levou a algumas escolhas em relação, por exemplo, às noções de lei e de obediência a elas. Independentemente de quais sejam essas idéias, há uma educação direta entre o ensino que recebi, em casa, na escola, na faculdade.
Assistindo a esse filme, me veio à cabeça que o conceito de educar ao Estado nem sempre coincide com uma educação à cidadania. O Estado educa com golpes de cassetetes, com lacrimogêneos. Se impõe atacando seus inimigos.
Aprender a cidadania, pelo contrário, é aprender dentro de um modelo em que um desenvolvimento de valores de convivência e tolerância nos fazem entender, discernir em que medida seremos respeitosos da lei e em que medida lutaremos contra ela, considerando-a injusta.
Sei que é uma reflexão um pouco óbvia, mas se a gente para e pensa, percebe que a educação ao Estado faz com que fenômenos como o Nazismo tenham encontrado o aval, mais ou menos tácito, mais ou menos manifesto, dos alemães (e de inúmeros simpatizantes fora de lá): o Estado era modelizado como um mecanismo, e desde crianças, os alemães eram educados a respeitar as leis e, ao mesmo tempo, aprendiam os valores da superioridade racial, do antissemitismo, do ódio ao diverso. Na medida em que "o diverso" (judeu, comunista, cigano, homossexual, divergente dos ideais de funcionamento daquele Estado).
Do mesmo jeito que eu fui. Não, digo, educada ao respeito das leis e ao mesmo tempo aos valores e princípios do meu Estado (ESTUDEI EM ESCOLA PÚBLICA). Só que, a diferença dos alemães da década de 1930, meu Estado era Republicano, democrático e, no arco do século XX, ainda havia um número muito grande de testemunhas da Segunda Guerra vivas, com lembranças do que tinha sido viver com as leis nazifascistas e de como foi difícil se livrar delas.
Bom, é uma bela de uma diferença, entre eu e um alemão dos tempos do Nazismo.
Valores fortemente enraizados na liberdade de consciência, em princípios laicos e de forte respeito pela vida e a dignidade humana, dignidade que o trabalho nos da e que é um direito.
Assim como aprendi que é um direito a liberdade de opinião e de expressão, DESDE que não impeçam aos outros a livre manifestação da sua liberdade.
Afinal, descubro que sou uma sobrinha bastarda do Iluminismo, pois os tempo desgastou e revelou algumas facetas pouco aceitáveis de suas propostas. Não muitas, mas algumas.
Os princípios Iluministas não são de direita ou de esquerda. São aqueles que nos permitem falar de direita e de esquerda.
O desgaste no tempo reside, para mim, no excessivo mecanicismo da proposta, da crença na causa e efeito calculável.
Mas no mais, em geral, constituem meus valores.
Aí, VOLTANDO, vejo esse filme, O ódio, La Haine, sobre três caras que vivem nas banlieuse. Um árabe, um negro, um judeu. Dropouts. Fora da escola. Sem qualquer instrumento para sequer imaginar um outro mundo. Sem ter qualquer noção dos princípios que eu, por exemplo, aprendi e escolhi
(PARÊNTESE: escolhi, porque, por exemplo, esses valores me levam a respeitar crenças e religiões mas a não aceitar a supremacia de suas "leis" acima daquelas do contrato social, que NADA de divino tem. São, de fato, contratos e, em quanto tais, podem se modificar conforme o confronto entre as partes. Por isso, aliás, o Estado existe: é uma estrutura de negociação social no fórum político e institucional. Pessoas muito religiosas, por exemplo, tem OUTROS valores e OUTROS princípios, inclusive o de se permitir julgar e condenar escolhas alheias na base de outros princípios morais. POR EXEMPLO: se o aborto é objeto de disputa no fórum político, é porque está em ato um conflito social. Com base nos meus princípios, eu processo os dados da realidade, ou seja, que o aborto, proibido ou não que seja, é praticado; que se há mulheres que o utilizam como prática anticoncepcional é por sérias, seríssimas falhas no sistema de apoio à educação e ao desenvolvimento das mesmas. Que se há mulheres que, de posse de uma educação que lhes permite livre escolha, resolvem abortar, em geral o fazem como escolha traumática e dolorida. Então, já é um passo descriminalizar essa prática. Isso porque, sempre processando os dados da realidade, um grande número dessas mulheres não tem como receber tratamento digno que não provoque danos. Portanto, além de uma prática insalubre, uma criminalização as levaria à punição de hábitos e costumes e não, eventualmente, à possibilidade de fazer outras escolhas. Agora, tornar legal o aborto não é aumentar os números mas, sim, pensar que quem abortaria lá já o faria na situação atual. Pelo menos, pode fazê-lo sem colocar em risco sua saúde e recebendo apoio e atendimento para que, no futuro, não se encontre novamente nas condições de ter que escolher.
Com base em princípios cristãos (tanto faz de que seita, católicos ou evangélicos ou o que for), a mulher merece morrer enquanto assassina. Uma beleza. E eu que achava que o cristianismo era perdão e caridade. Vai vendo. Como sempre, funciona muito mais a cenourinha da salvação mas, muito muito pior, o medo do bastão nas costas. Basicamente, a maioria de quem se professa cristão confunde seu papel de paz e amor em nome de Jesus com um bem mais fácil atalho: poupar à divindade a perda de tempo de emitir seu julgamento. Basicamente, o mundo cristão, bem como o mundo muçulmano, venhamos e convenhamos, se ergueu a juiz dos costumes alheio, substituiu-se à divindade e já decide de antemão quem vai e quem não vai pra danação. FIM DO LONGO PARÊNTESE, voltou aos três do filme).
Os três protagonistas não tem princípios, nem religiosos. Não tem capacidades dialéticas, a única dialética é a violência.Desenraizados de suas culturas, não tiveram nem de longe a chance de confrontar o outro DENTRO do sistema. Estão fora, sem solução. As escolas queimam. Tudo queima, e trabalho não existe ou, pelo menos, não dignifica ninguém, é somente exploração (a mão de um dos rapazes costura em casa sem, evidentemente, grandes lucros....).
O Estado não os considera membros. Os rejeita, e com violência. Não é que chego qualquer conclusão, não. Simplesmente, é o que me veio à cabeça assistindo ao filme.
Não creio que a solução venha de uma imposição de valores, mas da criação de novos. E que o Estado passe a ser ancorado nos princípios de igualdade, de liberdade, de tolerância, de solidariedade e capacidades de criar cidadãos capazes de pensar com a própria cabeca.
Que delírio, tudo isso, heim?

terça-feira, 6 de março de 2012

O DIA DE HOJE.


O dia de hoje não está com nada. Trabalhei um pouco, menos do que deveria. A tecnologia me traiu. Nem o computador de mesa nem o meu portátil funcionam: o de mesa se recusa a executar QUALQUER tarefa. O portátil até faz, mas o wireless, ao que parece, não tem alcance suficiente para chegar... Moral da história: meu humor, que já não andava lá grandes coisas pela manhã, só piorou.
Talvez, se eu parasse de comer carne vermelha, as coisas iriam melhor...
Ou talvez não.
Na dúvida, vou tomar um café...

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

APELO: SALVEM AS GALINHAS DOS MACHOS...

Então, estou abalada.
Sabia que macho vive meio que preocupado somente em colocar sua apêndice da mesma maneira que avestruz põe a cabeça debaixo do chão, mas o que me contaram me deixa profundamente abalada, enojada e, francamente, indignada.
Nos Macondos da vida, aqueles povoados que a gente acha que existem somente na literatura sulamericana dita "realismo mágico", MAS QUE EXISTEM, porque coisas assim só podem acontecer em um mundo sem sentido, os machos utilizam as galinhas para obter "favores sexuais".
Vocês podem achar que estou brincando, mas não estou não.
Existe uma mobilização global de proteção aos animais, justo hoje no meu face tinha um apelo contra a pornografia que envolve animais...
Mas as agências que se preocupam com os bichos parecem concentrar o foco unicamente nos mamíferos... e esquecem das galinhas.
E as coitadas precisam ser protegidas também. E os estupradores devem ser punidos, pois é pura e simplesmente uma crueldade, pois pensem nas devidas proporções. As galinhas não sobrevivem aos estupros. Não vou entrar nos detalhes porque é nojento demais, mas peço que as muitas pessoas que se enternecem perante as fotos de gatinhos, cachorrinhos e ovelhinas se mobilizem também em prol da proteção das galinhas.
Nem que seja graças às imagens horrorosas dessas aves indefesas que, depois do estupro, morrem porque suas entranhas ficam todas para fora... e espero que seja começada uma campanha de proteção das galinhas, com base na idéia bastante nojenta dos restos de uma vítima assada em nosso prato...
REALMENTE, NÃO ESTOU BRINCANDO, ALGUÉM TEM QUE PENSAR NA INTEGRIDADE FÍSICA DAS GALINHAS E, PRINCIPALMENTE, NA SAÚDE MENTAL DESSES MACHOS ESTUPRADORES!!!!