terça-feira, 29 de novembro de 2011

A DESELEGÂNCIA DESSAS JÓIAS...

Essa publicidade me foi assinalada por uma aluna, e achei por bem publica-la aqui, para "documentar" que as minhas não são as viagens de uma mulher histérica e infeliz, obcecada por absurdas manias de perseguição, que se engana em ver esse mundo como pouco acolhedor para com as mulheres.
O anúncio possui também uma escrita que acompanha a imagem, que diz que foi "inventado o primeiro controle remoto para as mulheres".
Basicamente, se trata de uma publicidade extremamente vulgar, cuja mensagem é mais que óbvia: dê uma jóia de presente para uma mulher e ela... automaticamente "abrirá as pernas".
E depois tem gente achando que sou eu que vejo machismo em tudo!

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

CAIO MACHÃO CASTRO???

Premito que não assisto novela, falta-me paciência e interesse.
Porém:
leio as notícias.
Assim foi hoje, quando me deparei com as afirmações desse representativo das "tendências atuais". Que significa: assim que lhe falaram que foi politicamente incorreto, pediu desculpas, mas não tenham dúvidas, para ele, é melhor "pegador do que veado".
Que seja. A fala, em si, é fortemente preconceituosa, mas já sabemos que na terra dos machos é também fácil ouvir coisas como "melhor um filho ladrão do que veado".
Os gays que se cuidem.
Minha questão é outra. Nesse requintado (ou requentado???) linguajar, todo mundo aceita o termo "pegador" sem qualquer problema. Aliás, pelos comentários postados pelos leitores da Folha no final da notícia, é motivo de orgulho profundo "pegar" as mulheres.
As quais, nessa lógica, não passam de presas passivas. Eu pego o ônibus. Pego o carro. Pego as chaves de casa. Pego COISAS e não pessoas.
Nessa violência da linguagem, está embutido o direito de estupro.
Só pra constar...

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

MULHERES QUE ODEIAM AS MULHERES???


Uma das coisas que mais me incomodam são as mulheres assumindo tons e posturas machistas. Mulheres que falam de mulheres como se elas não pertencessem ao mesmo gênero. Comentários como "não dá para confiar nas mulheres", ou como "mulheres são mais traiçoeiras"que os homens são bem comuns, entre milhares de outros que não vou nem me dar ao trabalho de colocar aqui. Acredito que bem os conhecemos. Mulheres são fofoqueira. Mulheres sofrem de TPM. Mulheres são umas cobras. Mulheres são levianas. Mulheres só gostam de gastar em shopping. Mulheres só correm atrás de carteiras cheias. Mulheres são isso, mulheres são aquilo e, no final das contas, somando tudo, são a pior criatura que já ocupou esse mundo. E até aí, não me espanta que homens, padres, pastores, enfim, os legítimos detentores dos valores patriarcais e religiosos se expressem seguindo essa tradição misógina e muito estúpida.
O que me deixa sempre muito perplexa é quando as mulheres fazem essas mesmas afirmações. Quando são vozes femininas que se expressam dessa maneira. Aí, eu paro e pergunto: essas mulheres que afirmam a ruindade das mulheres, será que não percebem que elas próprias estão incluídas em sua própria fala? Será que não percebem que uma mulher que afirma que as mulheres são todas umas vadias está falando isso de si mesma?
Depois, me pergunto também se percebem que falando isso na frente dos homens só estão abrindo caminhos para que eles atirem com mais violência suas palavras contra as mulheres e, pior de tudo, talvez não percebam que, fazendo isso, denegrindo a si mesmas, não vão por isso ser melhor consideradas por eles.
Não se ganha nada, assumindo discursos como esses, nem perante as outras mulheres, nem aos olhos dos machos.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

UM CONTO DE FADAS & LIVROS

Uma leitura em que a liberdade anárquica de um leitor se torna defesa assassina do objeto dessa liberdade, o livro, se encontra em uma das muitas histórias que se entrelaçam no romance Storia di Neve, de Mário Corona (2007). A jovem Neve, protagonista do romance, gosta de passear pelo bosque onde os lenhadores “fazem a madeira e os machados cantarem”, e ela gosta desses sons. Entre os lenhadores, ela é amiga do velho Lídio que, durante as pausas do trabalho, costuma ler um livro. Neve fica curiosa e, um dia, pergunta-lhe de que livro se trata, inclusive porque “de tanto manuseá-lo, as páginas mal ficavam ainda juntas” (CORONA, 2007, p. 483). O velho responde que ele não sabe, pois nunca aprendeu a ler. Neve pergunta, então, como ele pode ler se não aprendeu a ler, e Lídio revela uma perspectiva interessante sobre a liberdade do leitor que o livro proporciona:

Eu não sei nem ler nem escrever, mas quando olho para as páginas desse livro histórias, muitas histórias me vêm à cabeça, uma apos a outra, e as conto para mim mesmo, assim é como se estivesse lendo o livro. Acredito que o livro contenha uma única história, mas eu invento muitas olhando para as páginas, e são histórias bonitas, se eu soubesse escrever as escreveria, mas um dia vou contar umas para você. ( Ibidem, p. 484).

Neve pergunta para Lídio se ele consegue inventar histórias sem olhar para o livro, mas ele responde que não, sem abrir as páginas não nascem, são as páginas que as despertam, e assim “... você vê que, na prática, leio histórias sem saber ler” (Ibidem, p. 484).

Curiosa, Neve pede ao velho o livro emprestado e vê tratar-se de Os Noivos, de Alessandro Manzoni, que ela nunca lera. Neve propõe ao velho a leitura do romance e, no começo, somente Lídio parava para ouvir mas, em poucos dias, todos os lenhadores se aproximaram para ouvir a leitura, para escutar a narrativa das desventuras de Renzo e Luzia. O fim da leitura do livro provoca, em todos esses leitores ouvintes, um sentimento de tristeza. O mais triste de todos, porém, é o próprio Lídio, porque, explica,

[...] agora já conheço a história de meu livro, e quando viro as páginas elas não me dizem mais nada. As páginas não me contam mais histórias, não me deixam mais inventar histórias para mim. A única história que me contam é aquela que você leu, mas essa eu agora já conheço. Preciso encontrar um outro livro, que eu não sei o que tem dentro, e então, talvez, as histórias voltem. (Ibidem, p. 485).

Neve resolve presenteá-lo com seu livro de gramática, e não lê sequer uma linha para Lídio, que volta a “inventar” (de inventio = encontrar) as histórias nas páginas. Dois anos mais tarde, Lídio se apresenta ao padre da aldeia, dom Chino, que se maravilha pelo aparecimento do velho, pois esse costumava rezar somente nos bosques e não freqüentava a igreja. Ainda por cima, lia e relia o mesmo livro sem saber nem ler nem escrever. Anteriormente, Lídio visitara Neve e deixara-lhe de presente Os Noivos. O velho quer se confessar, mas “de homem para homem”, olhando nos olhos de dom Chino. Se confessa, assim, com uma garrafa e dois copos de vinho na mesa, assumindo a culpa de ter matado um homem. A razão de seu homicídio reside no livro que esse homem roubou dele, o mesmo que Neve lhe dera. Quando Lídio pediu ao homem que o devolvesse, esse o ignorou. Tomado por um raptus, Lídio cravou-lhe a foice no peito, pois o homem mentira, dizendo-lhe que queimara o livro. Lídio, com efeito, não acredita e, depois de matar, procura e encontra o livro, que leva, manchando sua capa com o sangue.

Agora, cheio de remorsos, resolveu confessar e ir embora. Com efeito, depois da confissão, Lídio desaparece da aldeia, sem deixar vestígios. Muito tempo depois, será a própria Neve que encontrará um esqueleto. Ela mesma o identifica como os restos de Lídio, graças a uma lata selada ao lado dos ossos, que contem, entre outros objetos, o livro que Neve lhe dera e com o qual será enterrado.

domingo, 20 de novembro de 2011

QUEM PODE, PODE...


Quem pode o que, nesse mundo?
Hoje li a notícia de um jornal italiano que um homem de 76 anos foi morto por um SUV, depois de uma briga. O SUV estava estacionado em lugar reservado aos deficientes físico, e a esposa do morto, deficiente física, se encontrou despojada de seu direito. O marido brigou e o dono do SUV (cada vez mais tenho a sensação de que donos de SUV se acham donos do mundo também) o atropelou e fugiu.
Li, também, a notícia de um juiz que expulsou do tribunal uma tradutora árabe, por usar lenço. O mesmo juiz duvido que teria expulsado uma freira, ou uma mulher que usasse lenço porque, sei lá, está cobrindo a cabeça por fazer quimioterapia.
Para se ter direitos no mundo, a receita é simples e antiga:
1) Ser homem., branco, ocidental, hétero-sexual.
2) Ser rico.
3) Não ter mais de 50 anos.
O resto só está a disposição dele.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

JÁ PARARAM PARA PENSAR?

Escrever é uma fala diferente, mediada pelo registro que a sustenta, que pode permanecer para leitores futuros. No caso de uma produção que busca uma publicação, é uma escrita que desafia os limites do círculo íntimo de parentes e amigos, é um gesto cheio de ambição e de exercício de poder, pois significa colocar-se no centro do mundo e deste lugar falar. Gesto ousado e até tempos relativamente recentes, negado às mulheres, às quais fora ensinado a se colocar de lado, a não tomar a palavra, a ser modestas e obedientes. As mulheres tiveram que conquistar o direito de publicação.

A publicação de um livro coloca a mulher, como indivíduo, no espaço público. Este transforma suas escolhas em atos documentados pelas próprias palavras, na medida em que se considera o papel de um indivíduo em sua esfera de ação pública.

No século XVII, publicação significa, para as mulheres, se tornar de “domínio público”, ultrapassar os limites da esfera doméstica à qual eram confinadas quando “honestas”, arruinando suas reputações; ainda vigorava o princípio de um conflito entre seus papeis privados e públicos. Virginia Woolf em A room of her own, traça o retrato de uma famosa erudita inglesa, Margaret Cavendish: tamanha era a vontade dela de escrever, que foi condenada à solidão pelos seus contemporâneos. É uma escritora que escreve sem público e sem critica, e quando sai na carruagem, as pessoas observam-na boquiabertas, como uma freak de circo. Ela encarna a perda dos valores cultuados pelas moças honestas e modestas. É sempre Virginia Woolf que fala da trajetória de Aphra Behn, a primeira escritora profissional reconhecida na Inglaterra. Para Virginia, a independência econômica – que Aphra alcançou – é a base de todas as outras liberdades; todavia, ainda por longo tempo, as mulheres que quisessem se tornar economicamente independentes através do exercício da escrita – e da publicação -, teriam que assumir uma identidade de mulher pública associada à prostituição, pois ousam se expor, tomar a palavra e, enfim, ganhar dinheiro com isso, postura lamentável, na época.

O direito a uma escrita pública, parcialmente alcançado no século XVIII, encontrou novos obstáculos no século XIX, com o florescer de teorias “científicas” sobre a incapacidade feminina de criação intelectual – o antigo logos, território masculino da esfera pública, em sua face moderna, continua exclusivo. No século XVIII encontra-se uma mudança na definição das relações sociais. Rousseau põe o problema do governo baseando-o no conceito de economia não mais entendida como mera gestão dos bens particulares por parte do pai, mas ampliando o sentido da palavra para o de “Economia Política”. A população passa a ser concebida, então, como sujeito de necessidades, como finalidade do governo, e não mais como a potência do soberano. Nesse quadro, passa a ser também o objeto sobre o qual trabalhar “publicamente” em termos de saber.

A “teoria contratual”, base da sociedade moderna – e contemporânea -, apresenta, mais uma vez, o problema da exclusão das mulheres. Conforme tal teoria, um dos alicerces da revolução francesa, as relações entre os homens são definidas por um plano “horizontal”, ou seja: os membros da sociedade podem estipular contratos com base paritária (a egalité revolucionária), de forma livre. A questão surge com a fraternité: este termo não define a totalidade do corpo social, incluindo somente o gênero masculino. Poderia aparecer uma sutileza retórica argumentar sobre a Declaração Universal dos direitos dos cidadãos. Todavia, a discussão sobre as cidadãs levou à exclusão das mesmas da vida pública. No âmbito da teoria contratual, as relações “verticais” foram mantidas entre homens e mulheres. O caráter do poder político, do governo, do Estado, parece ser fortemente “viril”, excluindo as mulheres.

Olympia de Gauges (a foto é um retrato dela), revolucionaria e pensadora da revolução francesa, dedicava-se à disseminação de direitos universais que incluíssem as mulheres e seus escritos à levaram, literalmente, a perder a cabeça.

Não provoca espanto, portanto, a freqüência com que as escritoras redigiam prefácios às obras recheados de desculpas por sua ousadia, por atrair a atenção; oferecem seus trabalhos como algo cheio de graças, leve, decorativo, algo que não quer ofender nem adquirir valor. Estratagemas, talvez, para se proteger da critica.

Talvez seja por isso que, ainda hoje, a maioria das mulheres que escrevem dominam, principalmente, a literatura de gênero, aquela sem pretensões literárias, reservada ao entretenimento.


quarta-feira, 16 de novembro de 2011

BRUNA SURFISTINHA? ADOREI, PARABÉNS PARA ELA!


Assisti ao filme. E fiquei me perguntando: como é que alguém pode ter considerado esse filme "excitante"? Eu achei um filme de uma tristeza única.
Li o livro também. Não é uma obra prima da literatura, está mal escrito. Mas é uma coisa rara de se encontrar, ainda hoje: é um romance de formação, escrito por uma mulher com visões diferente das minhas, com certeza.
O romance de formação é um verdadeiro gênero literário, que contempla, principalmente, o universo masculino. Os "heróis" são garotos que descobrem o mundo e se tornam adultos através de experiências duras e difíceis. Poucas, pouquíssimas mulheres escreveram e escrevem romances de formação. Principalmente porque teriam que falar de coisas que, mesmo não chegando aos abismos de abjeção física e moral da Bruna, não seriam muito bem vistas.
Por outro lado, livros com protagonistas prostitutas não são, na verdade, nenhuma novidade. É só pensar na famosa Moll Flanders, de Daniel Defoe (um homem). Ou em Naná, de Zola, também um homem.
No máximo, autores que usufruíram dos serviços.
Essa última, Naná, protagonista do homônimo romance, é uma Bruna Surfistinha do século XIX. Acontece, porém, que o fato do autor ser um homem, não é particular secundário: a protagonista morre no final, deturpada pela varíola. Na verdade, quem inspirou o Zola foi uma "mulher de programa" de verdade, uma tal de Valtesse de la Bigne, que exerceu a profissão por muitos anos, guardou um dinheiro e, quando se aposentou, comprou um palacete em Paris, onde viveu felizmente até o final da vida. Um dia, Valtesse encontrou uma jovem prostituta, na rua, tal Liane de Pougy, moça muito bonita, casada, que fugiu do marido. Valtesse a "criou" para deixar a sarjeta e "praticar" nos meios mais abastados da finança e da cultura parisienses. Foi uma Bruna Surfistinha da sua época, tão conhecida que suas fotos eram vendidas como cartões postais das beldades de Paris. A mulher era culta e bem relacionada e, quando chegou aos quarenta, se retirou da profissão e casou com um príncipe romeno. Nenhuma das duas, nem Valtesse nem Liane, morreram sozinhas e abandonadas. Liane conhecia, entre outros, Marcel Proust, que nela se inspirou para delinear uma de suas figuras mais conhecidas da Recherche, Odile de Crecy...
Agora, estamos no século XXI. A profissão mais antiga do mundo (depois da dona de casa) continua existindo, pouco mudada ao longo dos milênios.
Bruna Surfistinha é uma descendente dessas figuras, atualizando-as aos nossos tempos.
Como Valtesse, como Liane, Bruna também apostou suas fichas em algo mais do que somente fazer programas. Escreveu um livro, vendeu os direitos, e, se fosse por mim, não estaria atrás de muitos que ocupam a Academia Brasileira de Letras, pois ela, pelo menos, escreveu e foi lida por muitos mais do que, por exemplo, um Sarney ou um Pitanguy, que na Academia ocupam cadeiras (será que vale como escrita, a cirurgia plástica??? e será que os poemas do Sarney são MUITO melhores do que o livro da Bruna????).
Pelo menos, a menina fez de toda sua vida algo que provocou controvérsias... que é mais do que outros membros da academia fizeram com suas obras!!!
E quanto ao estilo... sinceramente, não é pior do que o do Paulo Coelho, que escreve mal, mas que está na Academia...

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

A DERROCADA DE QUALQUER HUMANIDADE


Em que ano estamos?
Até ontem, achava que era 2011. Já hoje tenho a sensação de perdermos um milênio. Pelo menos em Black Stream, alguém esqueceu de mudar o calendário, e paramos, assim, no ano 1000.
Se continuar assim, em breve voltaremos à Idade da Pedra, e as mulheres serão escolhidas a pauladas na cabeça. Por enquanto, estamos na caça às bruxas.
Em 2011 somos obrigados a ouvir afirmações do seguinte teor:
"DEMITA ESSA LÉSBICA SUJA E NOJENTA IMEDIATAMENTE, QUE NUNCA MAIS APAREÇA EM MINHA FRENTE". É isso que acontece em Black Stream.
Mulheres que dão nojo, pois não estão à disposição das fantasias de dominação masculinas. Mulheres que dão nojo, pois buscam sua independência na vida quotidiana, no trabalho, no pensamento.
Em 2011.
Discriminação é crime?????????
O rancor surdo e tamborilhante de machos psicologicamente impotentes aqui está. E não adianta acharmos que tudo está resolvido porque existem leis.
A lei Maria da Penha não vai impedir que as mulheres sejam espancadas.
As leis que proíbem a discriminação em razão de raça, gênero ou orientação sexual não vão impedir que negros, negras, gays, lésbicas e mulheres fiquem mais em baixo na escada social, que apanhem, que sofram maus tratos, violências físicas e psicológicas.
Assim como a lei que proíbe o aborto não impede que as mulheres o pratiquem, de maneira perigosa e, frequentemente, prejudicial à saúde.
Tem algo profundamente errado em tudo isso. Um tsunami, uma onda de ódio, disfarçada de hipocrisia, é o que se vê todo dia cobrindo de lama as vidas dessas pessoas.
Nã me interessa se a moral cristã é hetero-dirigida. Nos ditos valores cristãos não existe mais qualquer forma de pietas, só existe ódio, medo, castigo que não é sequer ministrado por algum Deus impiedoso, colocado lá em cima mas, sim, por homúnculos arrogantes e infelizes, que se dizem portadores de valores morais. Com cantava Zélia Duncan, os imoráis falam por nós.
Olhamos para o mundo muçulmano com terror, julgando que se trata de uma maré de selvagens, e uma das razões de nossos medos "civilizadores" decorre do tratamento reservado às mulheres.
Todavia, começa a surgir uma dúvida cruel em minha cabeça: não será que, na verdade, todo o espernear ocidental contra "os mouros" decorre do medo de não poder dispor mais de corpos desnudados, de mulheres "bundas & tetas" disponíveis para fantasias que nos despojam de qualquer qualidade humana, de qualquer vivência?
Vivo recolhendo testemunhas de mulheres que perdem o emprego porque não se colocam a disposição de seus chefinhos enquanto bocas e outras cavidades.
Vivo ouvindo afirmações que denigrem tudo que as mulheres fazem, reduzindo-as a pedaços de carne.
Quando não perfumam mais a juventude, as mulheres baixam a cabeça, na humiliação de não ter como pagar suas contas, com parceiros que, em troca de planos de saúde e de um teto, as tratam feitas coisas, as insultam, as abusam.
Quando não são disponíveis aos abusos morais, quando são insubmissas, passam a ser ofendidas, desprezadas, insultadas. E tudo isso, no silêncio da cumplicidade de homens que, no fundo, compartilham da visão.
E de mulheres que, apavoradas pelo constante repetir-se da impunidade, cada vez menos se sentem seguras para tomar uma postura diferente. Melhor ficar caladas, pois as próximas podem ser elas.
Não é mais nem uma sociedade patriarcal, pois nessa às mulheres se confia um papel de submissão mas, ainda assim, quando elas nesse papel se "encaixam", de respeito.
Não, estamos muito além de qualquer patriarcalismo. Estamos em uma pseudoliberdade, onde o mais forte manda, explora, maltrata, insulta, arruina vidas, impede a livre expressão e, PRINCIPALMENTE, que uma mulher possa ganhar HONESTAMENTE seu pão de todo dia. Qualquer lição de tolerância é esquecida, em Black Stream, mas não somente aqui, é regular tomar qualquer liberdade sobre a vida e os corpos das mulheres, pois a impunidade é praticamente garantida, pois na alegre confraria do "clube do bolinha" se tem consciência de que a maioria estará do lado do macho, e no limitado "clube da luluzinha" a preocupação de perder casa/trabalho/RESPEITO amordaça e deixa tudo como está... E tudo se resolve em piadas de mau gosto e na desigualdade mais profunda e injusta que, na história, nem a Idade Média mais estereotipada jamais alcançou...
É tudo verdadeiro. A realidade ultrapassa qualquer imaginação.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

UMA RESSALVA...

Oi, eu de novo...
no meu post anterior, falei de cabeleireiras e concessionárias... Gostaria de fazer uma ressalva, pois não gostaria que, em uma leitura leviana, as cabeleireiras fossem associadas com a prostituição.
ENTÃO, quero deixar claras algumas coisas.
1) Se é verdade que existe a "tradição" de as prostitutas aposentadas abrirem salões de beleza, isso NÃO SIGNIFICA ABSOLUTAMENTE que todas as cabeleireiras têm relação com a profissão das ruas. Somente significa que as ex-profissionais das ruas em muitos casos investem nessa outra profissão. A maioria das cabeleireiras, porém, não tem o antecedente de ter trabalhado na rua, tá?
2) A distinção entre os investimentos das ex-prostitutas e dos cafajestes é uma relação que demonstra que também no mundo do sexo a pagamento, há um forte desequilíbrio de gênero: os cafajestes ganharam muito mais explorando as mulheres, pois concessionárias são um investimento bem mais caro do que salão de cabeleireira.
3) Também faço uma segunda ressalva: nem todos que abriram concessionárias já foram cafajestes.
Agora, escrevo isso só para não ofender a sensibilidade de ninguém, nem os profissionais sérios (que existem).
E, por último: respeito mais as ex-prostitutas, que continuam trabalhando duro em seus salões, do que os ex-cafajestes, que continuam explorando o trabalho alheio...
FUI CLARA????

40 não significa dois de 20!!!

Idade não é uma questão de aritmética, de somas, subtrações.
Uma mulher de quarenta anos não vale, simplesmente, duas de vinte. Mulheres habilidosas, cuja riqueza de experiência adquirida ao longo de quatro décadas de vida, são substituídas, no mundo do trabalho, por lindas, LINDÍSSIMAS garotas de vinte. Somente porque os donos das empresas babam. Ou, pior ainda, porque profissionalidade, capacidades, habilidades das mulheres de quarenta valem zero, nessa matemática, quando a aparência vale 100. Porque vivemos na ditadura do corpo. Porque as mulheres continuam a ser somente isso.
Como sempre, não vale o mesmo para os homens. Muito pelo contrário: homens grisalhos inspiram confiança. Assim, uma amiga querida é despedida sem qualquer justificativa, despachada porque não satisfaz os sonhos babões de algum macho no cio. Porque é trabalhadora, séria, mas já tem quarenta anos. Não estou brincando, aqui precisa mesmo de uma reflexão sobre o que acontece no século XXI.
Deixem-me, então, narrar a vocês porque o Brasil é, sim, um país injusto, um país em que "puxa mais um pentelho que uma parelha de bois".
Estamos em Black Stream, bisonha localidade de clima insuportável, dentro do estado mais "desenvolvido" do país. Há uma empresa, da qual poderia fazer o nome, mas não farei, porque uma vale a outra. Vamos dizer que se trata de uma concessionária que vende carros bem caros, daqueles que se adquirem mais para revelar o status do que por necessidade. Minha amiga é contratada para vender esse produto, na base de um curriculum profissional que revela uma trajetória de seriedade, quase vinte anos de trabalho durante os quais obteve reconhecimentos como melhor vendedora. Para ser contratada, precisa montar uma apresentação sobre um dos produtos. Começa, assim, a trabalhar na empresa. No primeiro dia, ela é apresentada à equipe. O gerente faz questão de realçar o valor PROFISSIONAL de cada membro. Sublinha a seriedade e a competência de cada um, inclusive dela. Sublinha, TAMBÉM, que ele não está interessado em "rostinhos bonitos" (do qual, diga-se de passagem, minha amiga é dotada), mas em resultados, isso é: VENDAS. Enfim, tudo parece se encaminhar da maneira mais séria, concreta, profissional. O primeiro mês, minha amiga não é colocada diretamente nas vendas, pois precisa "aprender". Passa, assim, por uma fase do treinamento. Ainda assim, vende. No segundo mês, apesar de novos impostos que gravam sobre os produtos, vende. Na média de venda da equipe inteira. Aí, começa o terceiro mês. O gerente coloca, para ela, uma meta de vendas, que ela terá que cumprir até o FINAL do mês. Já na primeira semana, cumpre com um terço da meta.
Porém. Porém.
No entanto, algo acontece. Um dia, chega um conhecido dela, para conversar com o gerente. Na frente dela, o ELEMENTO pergunta sobre o desempenho dela. O gerente responde que está começando, que está tudo bem. Sempre na frente dela, o ELEMENTO (que, repito, não é nenhum amigo, é um conhecido), afirma que ele TEM (perceber, por favor, o verbo de POSSE, está falando em mercadoria...) uma verdadeira mulher para a empresa, uma moça belíssima que deveria trabalhar na empresa. Minha amiga, a essa altura, levanta e sai da sala.
A conversa acaba e o gerente encerra o dia com uma pergunta para minha amiga: "Você é homem ou é mulher?"
Intervalo. Publicidade.
Segunda parte.
Minha amiga volta ao trabalho depois do final de semana. Como disse, é começo de mês e já cumpriu com um terço da meta pedida. Na segunda feira, o gerente resolve perguntar aos funcionários, todos, fora ela, se acreditam em papai Noel.
Suspense.
Na terça feira, logo depois de realizar mais uma venda, minha amiga é chamada e, sem qualquer explicação, recebe uma carta de demissão. É mandada embora. Sem explicação.
O melhor.
A explicação chega: uma linda jovem. As mulheres da limpeza vão ter que trabalhar em dobro, para limpar a baba dos machos da empresa. É uma babação absoluta.
Mas minha amiga é demitida. Sem mais. Sem menos.
A coisa é tão repentina, que no RH até escreveram a carta com um sem número de erros.
É tão repentina que chega o pedido mais ABSURDO que funcionário já recebeu: "como ninguém estava preparado para suas demissões, você poderia adiantar as verbas recisórias, que depois a empresa te reembolsa?". Pedido ao qual, evidentemente, minha amiga se nega.
No dia seguinte, ela vai recuperar suas coisas, e descobre que:
a) A moça MARAVILHOSA não passou nem por entrevista, nem por qualquer tipo de apresentação.
b) O dono da empresa, que assinou sua carta de demissão, está tão deslumbrado com o corpo novinho a sua disposição, que chegou a levar de pessoa a moça MARAVILHOSA para o exame médico.
c) A moça MARAVILHOSA não tem nem que esperar um treinamento, nem o uniforme, já começa a ser "disponibilizada" aos clientes...
Para a minha amiga só posso dizer: bem vinda aos quarenta.
Para as outras mulheres que trabalham na empresa, só posso dizer: cuidem-se, pois o próximo rostinho bonito que passar por aí (assim que o novo método de contratação se espalhar, vai ter fila) é o trabalho de vocês que vai para o brejo.
Para o gerente, só posso dizer: e agora, o que você vai fazer, quando apresentar a equipe? Realçar as qualidades profissionais de QUEM?
E, finalmente, para o dono, GOSTARIA de dizer: há uma visão popular, de onde eu venho, que diz que quando prostituta se "aposenta" abre salão de cabeleireiro, quando cafajeste se aposenta abre concessionária... O senhor acabou de demonstrar que essa visão é pra lá de verdadeira.
Ainda.
Gostaria de dizer que tudo isso demonstra a desqualificação das mulheres, novamente reduzidas a "rostinhos bonitos", a "corpos desejáveis", e que descanse em paz a competência, a profissionalidade e a experiência.
De quem é a culpa?
A culpa, sinto dizer, não é dos machos, dos cafajestes, da incapacidade dos homens em governar seus hormônios (o que os coloca realmente no nível dos animais bem pouco racionais).
A culpa, sinto dizer, é NOSSA. Das mulheres. Que não sabemos dizer BASTA às regras dos machos no cio.
PRINCIPALMENTE: a culpa é nossa, porque não podemos ter eternamente vinte anos.
Essa é uma empresária de verdade.













Esse é o sonho masculino de quem deveria trabalhar...