domingo, 1 de julho de 2012

SHAKESPEARE EXPLICA...


A palavra família é uma palavra. Como gato, guitarra, casa... são palavras. Só que essa palavra, família, está se tornando objeto de disputas infindáveis, inúteis. Todos, políticos, cristãos e, em geral, as pessoas "cheias" de moral (tão cheias até se tornarem moralISTAS), querem colocar um excesso de pingos nos i dessa palavra, família. Querem declinar a palavra unicamente no singular mais monolítico possível.
A família, nessas infinitas discussões cheias de moral, é uma e sagrada.
Modelo bíblico. Ou melhor, uma interpretação reduzida e cheia de muros e limites.
A palavra família, engessada pela visão restrita dessa laia imensa, se tornou pequena, reduzida, estéril.
Se formos ver, no Antigo testamento família já é desfuncional:
Abraão está casado com Sarah, que não consegue ter filhos. Aí, dentro dessa "família exemplar", a esposa manda o marido ficar com a escrava Agar e ele tem um filho com esta última. Aí, para mim, tudo bem, a historinha oferece um modelo de família não tradicional, um modelo de "útero de aluguel". Só que quando Sarah fica grávida, Agar é abandonada com o filho no deserto.
Além disso justificar a bosta de inimizade entre irmãos (é com base nisso que se sustenta a guerra entre árabes e judeus, o filho de Agar dará origem a descendência árabe), o pai resolve obedecer a uma das ordens mais estapafúrdias que já se viram, a de matar seu filho. Isto que é pai de família tradicional: abandona um dos filhos e topa matar outro.
Uma beleza de modelo para esta palavra, família.
No Novo Testamento, a coisa é melhor ainda: um belo modelo de família não tradicional, pois a mãe fica grávida por "inseminação artificial" e o pai, José, é adotivo, não biológico. Vista por este lado, é uma família super interessante, muito moderna. Só que o povo prefere esquecer que a situação que se cria é muito, muito distante da idéia de um papai/mamãe/filhinho (é claro, macho, pois as filhas fêmeas nunca tem vez...) como núcleo fechado, como único que designa a palavra família.
Voltando à palavra família.
Como dizia Shakespeare (que era gente boa e inteligente), "uma rosa não mudaria seu perfume mesmo que tivesse outro nome".
Então, se eu escolho ter uma rosa em minha vida, mas alguém acha que a rosa pertence somente a quem entra em parâmetros restritos e enjaulados e me diz que eu não tenho uma rosa, pouco estou me lixando. Ficarei com esta flor, que tem o mesmo perfume, as mesmas pétalas aveludadas e os mesmos espinhos. A chamarei de jóia, a chamarei de felicidade, a chamarei de orquídea. Pouco me importa a palavra, a flor não muda.
Chamarei, assim, minha família de jóia, felicidade, topázio, diamante: ele não vai mudar como elo entre afetos, amores e dores.
Que os moralistas fiquem com as famílias desfuncionais,
Eu fico com a alternativa e com as muitas palavras coloridas e ricas, que representam minha família muito além dessa palavra da qual se apossaram, tornando-a um lugar que pouco representa a união entre pessoas que se escolhem, se amam, constroem uma vida juntas. Não tenho nada a ver com uma divindade maluca que pede para matar os filhos, com mães que impõem o abandono dos filhos e pais que topam subir o morro para degolar os filhos. Que as pessoas cristãs, que os políticos estúpidos fiquem na sua cegueira que lhe mostra somente um "sagrado" míope, incapazes de pensar em como seu modelo de família cristã é uma anomalia em relação às próprias representações de seus textos sagrados.
Eu fico com o Shakespeare, com as rosas perfumadas que chamarei por outros nomes, com minha família que é tal, mesmo que a chame de rosa.
Um bom domingo a todos.

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