sexta-feira, 22 de junho de 2012

TWILIGHT: DEIXEM-ME CONTAR O QUE ENTENDI


Faz um bom tempo que ocupo uma parte da minha cuca com a história da Bela que amansa a Fera que se esconde por trás do rosto um pouco monótono de Edward Cullen.
E como não gosto dessa matéria grudenta em minha cabeça, vou fazer que nem Dumbledor que deposita suas preocupações em um "Pensador" externo. Assim me libero dessa "saga-chiclete" para pensar em algo positivo. Porque toda a história de Crepúsculo é construída para ter o efeito "areias movediças" em todos aqueles que, incautamente, se aproximam desse produto cultural de massa da MELHOR qualidade. Não estou brincando. Esta é que é habilidade em produtos & marketing. Marketing que encontra uma resposta mais que coletiva, diria de massa, na representação de anseios e desejos fortemente marcados pelo gênero. É construído de maneira magistral, com TODOS os ingredientes para nos aprisionar e sugar no lodo do pântano. Pântano do qual os verdadeiros cultores do horror-trash sabem estar prestes a sair o Monstro. Se continuar assim, próximo sucesso de venda será um filme onde até o monstro do pântano quer casar e viver feito um bom burguês... Oh, não, esqueci, já existe e chama Shrek... mas esta é outra história, vamos ficar no Crepúsculo.
Edward Cullen é absolutamente inexpressivo, e já isso deveria nos alertar de que algo muito errado é encenado. Aqui preciso marcar que a autora da série de romances pertence à espécie do gênio do mal, operando em um plano imaginário que nada tem a ver com o medo, mas com a domesticação do sobrenatural. Aquilo que nos é alheio provoca medo. O medo, para citar Stephen King, é uma outra dimensão do mundo que percola devagar na nossa realidade, contaminando-a. Os vampiros são mortos que voltam, revenants, algo que não pertence ao convívio social. São a melhor das representações encontradas ao longo do tempo do que é uma anomalia social, que se alastra por contágio, tornando cada um de nós vítima e carnífice ao mesmo tempo.
Para se ter uma idéia: os lobisomens são uma invenção da mitologia antiga. As bruxas eram muito conhecidas em Roma. Os mortos que voltam são encontrados na Bíblia, o tempo inteiro. Nos Evangelhos temos várias versões de mortos-que-voltam: Lázaro, o próprio protagonista e, no final de todos, todos os capítulos, no final da história, podemos dizer, o Apocalipse nós oferece material bem rico para tecer os corpos dos revenants que hoje tem nome de Zumbi. Sério. Os corpos que voltam no Apocalipse são desalmados, voltam exatamente para se juntar às almas. E nem para todos isso vai ser bom... E os vampiros são presenças derivadas de tudo isso. Eu já li O vampiro de Polidori, o primeiro grande clássico da literatura do gênero. Também amei Carmilla, destinada a se tornar ícone do trash-pop em filmes homônimos, podendo encenar um pop-imaginário sadomasolesbocamp (para a definição de CAMP, ver ECO, Umberto, História da feiura, tem um capítulo dedicado ao verbete Camp). Claro que li a obra prima de Stoker, que definiu de uma vez por todas as modalidades draculescas da vampiridade. Nosferatu me é conhecido na literatura e no cinema, na versão alemã e na atuação inesquecível de Klaus Kinsky. A rainha dos vampiros, Anne Rice, me satisfez até o volume três, A rainha dos danados, depois quis misturar outros ingredientes que tornaram a leitura muito chata.
Claro que Salem's Lot e todos os contos derivados dessa história vampiresca de autoria Stephenkinguiana foram devidamente lidas. Também já li os primeiros dois volumes da trilogia de vampiros (do mal) de Guilherme del Toro. Quero dizer, não tenho preconceitos contra a literatura e a filmografia sobre vampiros. Tenho uma boa dose de cultura pop sobre o assunto.
Então, preciso entender o que me pega nessa história dita "de vampiros", a saga Crepúsculo, que me faz assistir fascinada e, ao mesmo tempo, horrorizada, como se estivesse na frente de uma cobra?
Entrar no fantástico mundo de Bella e de seus amigos estranhos não é penetrar um mundo de escuridão, mas é como pular na sala de jantar de uma tranquila família americana da década de 1950, com o final feliz da donzela que amansa a fera. O vampiro, hoje em dia, poderia ser qualquer rapaz metido a rebelde, mas convencido de que o amor vence, sempre, sobre o mal.
Já essa história de vampiros vegetarianos, que só chupam sangue de Bambi e outros bichinhos inocentes é tudo que não pertence à imaginação clássica da literatura fantástica.
Depois, tem o lado racista: os lobisomens, realmente mais parecidos com pets de estimação, são os membro de uma tribo indígena. Apesar de sanguinários e poderosos, são pobres, vivem na reserva e o outro amigo roleiro da Bella, o lobinho apaixonado, anda de gol velho, enquanto o Edward só dirige carrão, de Volvo para cima.
Qual é a dúvida sobre a escolha entre os dois? Entre uma vida de trabalho até a morte e a imortalidade na riqueza? Para Bella, se há dúvida, é só porque o riquinho sumiu por um tempo. Tem uma cena emblemática, em que Edward se apercebe que Bella que virar vampira porque fascinada pela vida deles. É uma cena em que se articula a idéia de que ëu te amo, mas amo seu carro, seu luxo, sou seduzida pela idéia de ser a mulher que se encaixa nisso... inclusive porque a estrutura inteira da história se baseia no fortalecimento da moral heterossexual e patriarcal. Edward nunca quebra as regras, muito pelo contrário, as defende. É pior do que qualquer ser humano contemporâneo, pois:
1) Não está disposto a transformar a moça em uma criatura poderosa (EMPOWER HER NOW!!). Muito pelo contrário, quer que fique humana e se propõe a ser o "protetor". Remete ao arquétipo ideal da mulher-criança, indefesa e frágil. Não adianta falar que ela quer virar vampira desde os primeiros cinco minutos do filme: ela aceita as regras do jogo dele. Obedece.
2) Impõe abstinência sexual até depois do casamento. No mundo do horror a virgem sempre é sacrificada aos demônios, aqui só se assiste a uma cena adocicada que usa a já manjada metáfora de "afundar nas águas profundas". Não adianta falar que ela queria desde antes do casamento: é uma mulher que se deixa domesticar. Lá onde o vampiro, desde sempre, é portador de uma carga erótica, aqui esta carga é negada, postergada, disfarçada. O lado noturno, soturno dos vampiros, aquela escuridão que é o desconhecido, é completamente eliminada: o sol, indispensável aos humanos e fatal aos não-mortos, não somente não mata Edward, mas o faz brilhar pior que vitrine de joalheiro!
3) O destino biológico é mais forte que tudo. Bella será mãe, ainda que adolescente, e o será mesmo que possa custar-lhe a vida. Cuidado, se o mundo de nossos desejos é este, qualquer discussão sobre aborto será eliminada... legiões e legiões de adolescentes cresceram e crescem enfeitiçadas por Bella e Edward, com este conto de fada pequeno burguês e patriarcal... Pensem na apropriação voyerista de Edward em relação ao sono de Bella: ela nem sabia que havia um cara espionando-a havia meses enquanto se encontrava na intimidade de sua casa. Ah, fala sério! Ela não dá um soco na cara dele, mas se sente "amada", "desejada" pelo Edward quando este confessa ter entrado e ficado no quarto dela para...olhá-la! Ele se torna dono dela na medida em que é dono desse olhar que o satisfaz (voyer mil vezes), olhar voraz que não toca o objeto do desejo, mas o mantém em seu poder. Ela dorme, é indefesa. Ele olha, aprende a controlar a fera que existe nele, nega o saudável egoísmo dos vampiros que se apropriam dos humanos ainda que contra a vontade deles. Nega a sexualidade de Bella em nome de seus valores de homem nascido em outra época , no começo do século XX... se esquecermos disso, o rosto eternamente jovem de Edward nos enganará, nos fará esquecer que aquilo é um adulto, um velho na alma. Mas, sim, houve um engano. Uma recusa. os velhos, para existirem, devem parecer jovens. Edward Cullen é um velho, praticamente um pedófilo, a bem ver, mas a gente esquece pela carinha tão lisinha... ele tinha 17 anos em 1919... Mas não tem problema, homens de idade são expertos, quando comem a mocinha. É bom lembrar que no segundo episódio Bella se deprime porque faz aniversário... de 18 anos! E fica pensando que ela vai envelhecer e ele não... e, ao contrário dos homens velhos que são machões quando copulam com moças jovens, mulheres velhas fazendo o mesmo nos suscitam incômodo. Pelo menos, é isso que a cena em que Bella é uma senhora idosa ao lado de Edward deveria provocar. Seria um absurdo. O contrário, porém, não é. Edward é o sonho de gente como o ex-primeiro ministro italiano, Berlusconi , que se torna o proprietário de mocinhas que, talvez, tenham gostado de Crepúsculo... Berlusconi é um velho que acredita que para existir deve se parecer com um jovem (e trasplanta cabelos, e faz plásticas, e usa quatro dedos de base na frente das câmeras, além de outros recursos para não assumir sua idade. Os resultados suscitam riso e desprezo, mas só em uma parte das pessoas. Patético, sim, mas rico, muito rico, mas muito mesmo, este elemento tem eleitores, eleitoras, poder, mídia, dinheiro...
BerlusCullen????? Só isso para se pensar sobre velhice/juventude/vampiros/mocinhas.
Existem, ao longo da trilogia, inúmeras referências sobre quão totalmente e absolutamente perigoso e satisfatório seja o amplexo vampiresco. Os humanos não aguentam, mas as vampiras agradecem. pelo menos, é isso que a gente é levada a crer pelas falas suspensas das personagens... e depois, tudo isso, toda esta expectativa se reduz ao "dia depois": se vêem dois infelizes, Bella e Edward, nessa ilha paradisíaca no Rio de Janeiro, em várias sequências que parecem diretamente importadas do set de filmagem de Ingmar Bergman do Diário de um casamento: cenas torturantes de casal em crise, brigas, a maldita água que pinga da torneira... Enfim, cadê o amplexo vampiresco?????????
Ninguém se sentiu traído pela versão banal e chata dos dois que se olham sem qualquer vontade no dia seguinte????? Parece que o casamento não vai dar muito certo, a promessa toda dos fogos artificiais produzidos pelo sexo vampiresco parece que não vai se cumprir.... mas eis a salvação do casamento, a irredutível força da natureza da mulher: a gravidez! Somente enquanto mulher viva, e não como vampira, Bella pode ser mãe (adolescente). Ainda hoje, ao que se parece, o Destino Manifesto único e último para as mulheres, mesmo aquelas envolvidas com o sobrenatural.
Ah. Bom. Então. Fala sério.
Precisa conhecer tudo isso, se trata, afinal, de um fenômeno editorial e de cinema. É necessário formular as palavras que permitam entender que esta saga é um pântano perigoso para um pensamento libartário, porque melhor adequação ao mundo humano de sonhos e desejos propostos às mulheres é impossível: os vampiros são o sonho patriarcal capitalista, corpo incrustado de jóias, mansões em ilhas particulares no Brasil, carros de luxo, cartões de crédito para conquistar a mocinha....
O que aconteceu que transformou o vampiro em sex-symbol, que transformou o medo em desejo de consumo, que a donzela escolhe ser aprisionada na cerca moralista e paternalista de um senhor de idade fantasiado de mocinho?


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