terça-feira, 27 de abril de 2010

MACABÉIA SÓ MERECE MORRER!



Há anos tentei ler, várias vezes, alguma coisa da Clarice Lispector. Quer por imaturidade, quer porque não gosto do rótulo de "literatura feminina", acabei desenvolvendo um certo preconceito contra a autora. Isso acabou impedindo que conseguisse levar a cabo a leitura, não digo de "A paixão segundo GH", que é um livro de muitas páginas, mas até de "A hora da estrela".
Pois bem.
Esse preconceito acabou, e para tanto, preciso, em primeiro lugar, agradecer uma colega que, em uma palestra de grande requinte de conteúdo e de forma, conseguiu despertar meu interesse pela Clarice Lispector.
Tanto que, agora, estou desesperadamente procurando "A paixão segundo GH", aparentemente esgotado nas principais livrarias do estado.
Mas, no entanto, lá fui eu, um sábado de manhã, acordar às seis.
Olhos em forma de bola na semi-escuridão do meu quarto.
Sem, é claro, dar conta de voltar a dormir. Assim, como estava eu fresquinha da palestra, levantei de vez e fui para minha estante, procurar minha edição em italiano de "A hora da estrela".
Sábado.
Seis da manhã.
Às nove e meia tinha marcado com minha carona para pegar a estrada de volta para Black Stream (eh, eu estava em Capital City).
Então, considerando que tinha que arrumar minha maleta, separar os livros para minha semana de trabalho, olhei para "A hora da estrela" e decidi:
Agora ou nunca.
Em pouco mais de duas horas eu tinha que ler e tirar, finalmente, alguma consideração pessoal alheia aos preconceitos estúpidos.
Sentei no sofá e comecei minha leitura.
Amei a crueldade sádica e cruel da Clarice.
Macabéia realmente só pode morrer. DEVE morrer.
Merece mesmo.
Oh, mulher inútil,
mansa de dar raiva!
O concentrado de tudo que é desprezível no universo dos ideais femininos!
Matar a Macabéia é um ato devido, sim senhores, e Clarice revelou-se mestra em eliminar, de vez, aquilo que mais pode ter de odioso e inútil no imaginário sobre uma mulher.
Essa personagem é o suprassumo do que de pior uma mulher pode representar: mansidão, mediocridade, passividade, bondade covarde...
Macabéia não tem cabimento no mundo.
Obrigada, Clarice, por eliminar essa criatura hedionda.
Aliás.
Obrigada por materializá-la, tornando, assim, possível sua destruição.
Agora, quero ler "A paixão segundo GH".
Acho que passei a gostar de Clarice Lispector.
Obrigada, Lucília, pela palestra que tirou a limpo meus preconceitos!
E, principalmente:
OBRIGADA, MACABÉIA, POR SUA INUTILIDADE EM VIDA E EM MORTE!

segunda-feira, 19 de abril de 2010

POR QUE NÃO POSSO FICAR BRAVA???



Oi, gente! Antes de continuar com minhas reflexões sobre as criaturas diferentes, preciso escrever algumas coisas outras. Coisas que venho matutando há um tempo e que me incomodam cada vez mais. Eu sei, bobagens, que deveria deixar de lado, pois ninguém acredita... em publicidades! MAS... será que as publicidades que andam passando por aí são somente bobagens, ou acabam refletindo algo que, em algum momento, mexe com a gente? Eu estou começando a achar que aquela entidade de controle das propagandas na TV não faz muito bem seu trabalho, ou, quanto menos, não cuida bem das coisas que passam na minha telinha.
Refiro-me, especificamente, a umas "peças" vergonhosas, as que acabam, sim, se refletindo em posturas comuns na minha vida. Não, dessa vez não é a invasão das privadas (sempre sujas) das pobres donas de casa. Refiro-me a publicidades que me tratam como uma verdadeira idiota.
Uma, por sorte, acabou. No mês de março, mês das mulheres (o que vem a ser isso, só os cretinos dos publicitários sabem, a essa altura do campeonato), fui reiteradas vezes convidada, por uma marca que não quero nem nomear de desodorantes, a "passar o mês sem transpirar". Pois, evidentemente, para uma mulher, transpirar no mês de março é alguma culpa... Confesso que, morando em um lugar como Black Stream, com temperaturas acima de trinta graus, a tarefa de não transpirar não deu certo para mim. Serei eu uma má mulher?
Bom, passou março, passou esta bobagem, mas aí...
Aí alguém inventou que "As mulheres se entediam facilmente", ou, pelo menos, assim afirma o gênio da propaganda que tenta vender um desodorante perfumado para homens. Porcaria, estou cansada de ser vista como um ser leviano, cuja cabeça, enquanto fêmea da espécie, não consegue se focar por um tempo superior aos poucos segundos em algo sem me entediar...
Tudo bem, para vender produtos masculinos, evidentemente, é necessário dizer absurdos sobre meu gênero, mostrar como somos cabecinhas de vento...
MAS AÍ... MAS AÍ.... VEIO A PÉROLA, o suprassumo da imbecilidade condensada em trinta segundos.
O produto: um analgésico.
A publicidade: um escritório de mulheres com um pobre coitado, um homenzinho perdido nas mãos de animais selvagens e descontrolados que seriamos nós, as terríveis fêmeas da espécie, reduzidas, mais uma vez, não a pessoas, mas a um conjunto sempre (des)controlados unica e definitivamente pelos hormônios.
O cara entra em uma sala onde está uma mulher (a chefa?), que está com dor de cabeça e "ruge" contra ele. Aí, o cara abre a gaveta de sua mesa e, sem que ela se aperceba, deixa um presente: uma caixinha desse produto "milagroso", que vai, com certeza, "amansá-la" da TPM. E aí, uma visão do inferno: um bando de mulheres, evidentemente todas descontroladas, mas que ele vai "domesticar" graças a essas pilulazinhas mágicas.
Eu me senti ofendida.
Eu não sou somente TPM. Cansei, cansei, que todas as vezes que não fico sorrindo, porque de repente estou com contas a pagar, com problemas a serem resolvidos em casa, no trabalho, ou por outras razões, alguém reduza tais razões ao mau humor da TPM.
E cansei de ver que minha vida, que é feita de altos e baixos, que é feita de tantas nuanças, é reduzida única e exclusivamente ao fator hormonal.
Por que isso me incomoda? Afinal, não é somente uma publicidade estúpida?
Não, porque na vida quotidiana, a vida que todas conhecemos, aquela em que também nós mulheres enfrentamos engarrafamentos/contas/dentistas/testes/filhos/trabalhos/despesas/dificuldades, enfim, o que é a realidade, quando não agimos feitas bonequinhas que sorriem e são meigas, quando não obedecemos e não nos submetemos a alguma tutela &/ou abuso masculino, eis que vem a frase fatídica:
"Está com TPM, heim?"
Não, não estou com TPM. Estou mesmo é enfrentando a mesma vida complicada que você, que tem um pinto e que tem, também, hormônios.
Então, vamos parar com essa brincadeira? Moças & senhoras, até quando vamos aceitar que nossas habilidades sejam sempre representadas como "acidentes da natureza" e não como algo que faz parte de nosso viver em uma sociedade, de nossos esforços e de nossas lutas?
Para o nosso direito de transpirar,
para o nosso direito de não sermos consideradas levianas que se entediam feitas crianças de quatro anos,
para o nosso direito de ficarmos bem bravas, perante a estupidez, e não pela TPM, vamos rugir e cuspir as pilulazinhas na cara de quem nos trata pior que bicho descontrolado!

sexta-feira, 2 de abril de 2010

CRIATURAS DIFERENTES I: PRIMEIRO CONTATO.



Conta a lenda que
Em tempos remotos & distantes havia muitos seres diferentes, além dos humanos. Os humanos estavam, por sorte dos outros, em um lugar fechado, onde teoricamente não podiam provocar danos. Estavam atrás dos muros de um grande jardim, chamado Éden, e não atrapalhavam a vida de ninguém fora de lá. Porque fora de lá havia um monte de outras criaturas, mais ou menos dotadas de asas, mais ou menos dotadas de garras, mais ou menos dotadas de palavras, mais ou menos dotadas de magias.
Havia:
- Faunos
- Ninfas
- Deuses
- Gnomos
- Sibilas
- Anões
- Lobisomens
- Elfos
- Bruxas
- Mulas sem Cabeça
- Sereias
- Vampiros
- Gremlins
- Hobbits
- Sacis
- Fadas
- Amazonas
- e todos que não lembro agora (mas em algum momento, lembrarei...)
Quando os seres humanos fizeram danos no Parque onde estavam, acabaram caindo para o mundo. Eles tinham uma capacidade incrível de se reproduzir, então povoaram o mundo. As outras criaturas, por outro lado, tinham problemas muito sérios em manter um número mínimo que garantisse a sobrevivência de suas espécies.
Isso se deve a vários fatos. Por exemplo: os vampiros não se reproduzem por "contato & inseminação", mas, sim, por mordida. Aliás, fique entre nós, são bem malcriados quando jantam! Todas as vezes que vampiro morde, faz aquela porcalhada toda de sangue no focinho! Nunca aprenderam a comer educadamente... Se um vampiro se acasalar de maneira tradicionalmente humana ("contato & inseminação) com uma mulher, o resultado será um humano com características psíquicas (não psicológicas, atenção!) de Vampiro. Ou seja: uma pessoa que tende a cansar os outros, "sugando" suas energias. Simplificando um pouco, por enquanto. Ou, por exemplo, as divindades, os deuses que são sempre os mesmos, mesmo mudando de lugar. Como o antigo Thot, depois chamado de Hermes, e em Roma Mercúrio. Quando, na fase da Grande Diáspora das Criaturas Diferentes, perseguidas pelos humanos, ele foi para a África, tomou residência lá pelo lado de Angola e mudou suas generalidades, passando a se chamar Exú.
Quando uma divindade se acasala com humanos, nascem pessoas psiquicamente poderosas. Claro que as características de figuras míticas como Aquiles ou Enéias, nas inúmeras gerações que se seguem, têm seus traços destemperados, mas a tendência psíquica de poderes divinos permanece em suas expressões e ações, frequentemente caprichosas, muitas vezes vingativas, na realidade quotidiana.
Anjos (que lembrei agora não estão na lista), por exemplo, quando se acasalaram com as mulheres, deram origem aos Nephilim, criaturas que muitos filmes já imortalizaram.
Bom, voltando lá, aos tempos antigos e muito lendários (mas já sabem onde vou parar, não é?) os humanos invadiram o mundo, e as criaturas, cada vez mais acuadas, reduzidas numericamente e renegadas, acabaram buscando o caminho da sobrevivência misturando seus destinos aos dos humanos.
Adotando uma teologia agostiniana aplicada a esse campo, podemos observar que em alguns humanos, em cujo passado remoto está uma dessas criaturas, pode ser observada a reminiscência da origem. Alguns, por outro lado, são conscientes do que são. Temos, assim, aqueles humanos que se dedicam, ativamente, a atividades ligadas à realização de feitiços, mágicas e outras práticas notoriamente ligadas à bruxaria. Outras, se dedicam, conscientemente, ao uso, abuso & exploração das forças alheias, reconhecidamente atividades vampirescas. Pessoas que, finalmente, "sairam do armário" e se tornaram, de certa forma, ativistas de um Grande Movimento pelos Direitos (humanos?) das Criaturas Diferentes. Até aqui, tudo bem. Precisa mesmo, impedir a extinção cultural das Diferenças nessa globalização desvairada. As Criaturas Diferentes pedem direitos de cidadania nesse mundo, e enfrentam, em geral, a desconfiança e o medo dos humanos. E não por acaso, pois há, realmente, um perigo no Vampiro, um poder nas Divindades, um Encantamento Destruidor nas Sereias. E isso dá medo aos humanos. Claro, está fora do controle deles! E as Criaturas Diferentes estão longe de serem unidas entre si. É bem difícil que uma Fada, por exemplo, se dê bem com um Vampiro. Suas visões de mundo são bem distantes. É como entre as pessoas, não se pode ser amigos de todos!
Bom, então, encerrando essa primeira incursão ao mundo das Criaturas Diferentes, para reconhecer a presença dessas criaturas é preciso conhecer um pouco mais quem são e o que fazem. Claro que não pretendo falar de todas, mas está na hora de eu também "sair do armário" e declarar não somente que
SOU FADA, SIM!
mas também que
NÃO É UMA ESCOLHA, SER FADA, É O QUE EU SOU.
Principalmente, porém, está na hora de explicar
O QUE É UMA FADA.
O QUE ELA FAZ.
DE ONDE VEM.
POR ONDE TROPEÇA.
Para tanto, dedicarei algum tempo à elaboração do mais ÚTIL
MANUAL DE AUTO-AJUDA PARA CRIATURAS DIFERENTES: COMO SAIR DO ARMÁRIO.

Fada de Preto (a.k.a. Fair in Black, a.k.a. Le Fay au Noir...).