quinta-feira, 17 de novembro de 2011

JÁ PARARAM PARA PENSAR?

Escrever é uma fala diferente, mediada pelo registro que a sustenta, que pode permanecer para leitores futuros. No caso de uma produção que busca uma publicação, é uma escrita que desafia os limites do círculo íntimo de parentes e amigos, é um gesto cheio de ambição e de exercício de poder, pois significa colocar-se no centro do mundo e deste lugar falar. Gesto ousado e até tempos relativamente recentes, negado às mulheres, às quais fora ensinado a se colocar de lado, a não tomar a palavra, a ser modestas e obedientes. As mulheres tiveram que conquistar o direito de publicação.

A publicação de um livro coloca a mulher, como indivíduo, no espaço público. Este transforma suas escolhas em atos documentados pelas próprias palavras, na medida em que se considera o papel de um indivíduo em sua esfera de ação pública.

No século XVII, publicação significa, para as mulheres, se tornar de “domínio público”, ultrapassar os limites da esfera doméstica à qual eram confinadas quando “honestas”, arruinando suas reputações; ainda vigorava o princípio de um conflito entre seus papeis privados e públicos. Virginia Woolf em A room of her own, traça o retrato de uma famosa erudita inglesa, Margaret Cavendish: tamanha era a vontade dela de escrever, que foi condenada à solidão pelos seus contemporâneos. É uma escritora que escreve sem público e sem critica, e quando sai na carruagem, as pessoas observam-na boquiabertas, como uma freak de circo. Ela encarna a perda dos valores cultuados pelas moças honestas e modestas. É sempre Virginia Woolf que fala da trajetória de Aphra Behn, a primeira escritora profissional reconhecida na Inglaterra. Para Virginia, a independência econômica – que Aphra alcançou – é a base de todas as outras liberdades; todavia, ainda por longo tempo, as mulheres que quisessem se tornar economicamente independentes através do exercício da escrita – e da publicação -, teriam que assumir uma identidade de mulher pública associada à prostituição, pois ousam se expor, tomar a palavra e, enfim, ganhar dinheiro com isso, postura lamentável, na época.

O direito a uma escrita pública, parcialmente alcançado no século XVIII, encontrou novos obstáculos no século XIX, com o florescer de teorias “científicas” sobre a incapacidade feminina de criação intelectual – o antigo logos, território masculino da esfera pública, em sua face moderna, continua exclusivo. No século XVIII encontra-se uma mudança na definição das relações sociais. Rousseau põe o problema do governo baseando-o no conceito de economia não mais entendida como mera gestão dos bens particulares por parte do pai, mas ampliando o sentido da palavra para o de “Economia Política”. A população passa a ser concebida, então, como sujeito de necessidades, como finalidade do governo, e não mais como a potência do soberano. Nesse quadro, passa a ser também o objeto sobre o qual trabalhar “publicamente” em termos de saber.

A “teoria contratual”, base da sociedade moderna – e contemporânea -, apresenta, mais uma vez, o problema da exclusão das mulheres. Conforme tal teoria, um dos alicerces da revolução francesa, as relações entre os homens são definidas por um plano “horizontal”, ou seja: os membros da sociedade podem estipular contratos com base paritária (a egalité revolucionária), de forma livre. A questão surge com a fraternité: este termo não define a totalidade do corpo social, incluindo somente o gênero masculino. Poderia aparecer uma sutileza retórica argumentar sobre a Declaração Universal dos direitos dos cidadãos. Todavia, a discussão sobre as cidadãs levou à exclusão das mesmas da vida pública. No âmbito da teoria contratual, as relações “verticais” foram mantidas entre homens e mulheres. O caráter do poder político, do governo, do Estado, parece ser fortemente “viril”, excluindo as mulheres.

Olympia de Gauges (a foto é um retrato dela), revolucionaria e pensadora da revolução francesa, dedicava-se à disseminação de direitos universais que incluíssem as mulheres e seus escritos à levaram, literalmente, a perder a cabeça.

Não provoca espanto, portanto, a freqüência com que as escritoras redigiam prefácios às obras recheados de desculpas por sua ousadia, por atrair a atenção; oferecem seus trabalhos como algo cheio de graças, leve, decorativo, algo que não quer ofender nem adquirir valor. Estratagemas, talvez, para se proteger da critica.

Talvez seja por isso que, ainda hoje, a maioria das mulheres que escrevem dominam, principalmente, a literatura de gênero, aquela sem pretensões literárias, reservada ao entretenimento.


Um comentário:

  1. *O*
    ___
    Giuro che non ci ho capito niente, Giulia me lo traduci? (Carla)

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