segunda-feira, 6 de julho de 2009

A VINGANÇA DE EVA. CAPÍTULO III

Devido ao comprimento dos episódios do folhetim, resolvi esticar mais um pouco.... semana que vem é o último episódio mesmo... Tem mais graça, com um pouco de suspense! Lá vamos nós, com o terceiro episódio de A Vingança de Eva:


De longe ouvi tua voz reclamando minha volta, você estava com fome. Sabia que depois teria que abrir as pernas, e fechei os olhos, sentindo o corpo frio e escamoso deslizar para longe.

No dia seguinte fiz boquinha e implorei você para ir catar coquinhos. Pedi permissão para ir até a cachoeira escura, que ficava um pouco distante, para lavar meus cabelos nas suas águas. Eles ficavam macios e fragrantes, e você gostava, atiçava tuas vontades, eu sabia que ia dar a permissão para eu ir. E eu precisava de você distante, para me encontrar com ela, para me encontrar novamente. A cachoeira escura é um lugar do qual tenho muita saudade, uma das coisas que sinto ter perdido e que faz uma falta danada, que dá um nó no estomago.

Fui para lá e entrei na água. Pela cortina de gotinhas a vi se aproximar devagar, deslizando dentro da água. Vi suas cores na matéria cristalina, até desaparecer no vórtice da queda, onde as águas se tornam brancas. Emergiu, ao meu lado, e me abraçou, e era eu, duas vezes, sob a queda. Me conhecia, como eu me conheço. A conhecia, como eu me conheço. Senti, pela primeira vez, sua pele fria contra a minha, senti calafrios no contato. Senti, pela primeira vez, sua boca macia sobre minha boca macia. Nos tornamos amantes de nós mesmas, debaixo da cachoeira escura. Gozei, quando me pegou, gentil, todavia firme. Gozou, quando minha mão explorou o calor entre suas pernas. Depois, silenciosamente, voltou às águas e desapareceu.

Na volta para casa cantei e cumprimentei árvores e animais, sorrindo sem esforço pela primeira vez, depois de tanto tempo.

No dia seguinte o Pai nos visitou, perguntando se tudo estava bem. Você se encheu de orgulho quando contou que tinha chegado a contar duzentos e sessenta carneiros. Contou que encontrara um pássaro novo, e que tinha certeza que teria um grande futuro. Você disse acreditar que, por sua estrutura, era destinado a ser um dos pássaro dominantes e o nome que escolhera para ele fora Dodô. Que nome mais estúpido, pensei, mas baixei a cabeça para não revelar meu olhar irônico. Você conhece o Pai: parece que sempre sabe de tudo, e tive essa impressão quando, na despedida, me olhou um pouco mais demoradamente do que costumava fazer, diretamente nos olhos. Cuide-se, me disse. Só isso. Estremeci. Você sabe, o Pai parece que está sempre a par de tudo. Mas não disse mais nada. E passou um tempo, antes que eu conseguisse fugir um pouco de você. Ficar sozinha. Encontrá-la novamente. Quem sabe, ouvir sua voz, que seria a minha. Consegui, enfim, me desvencilhar de você, graças à tua nova descoberta: aquele fruto, que você chamara de uva, tinha fermentado em um canto côncavo de uma gruta e você tinha experimentado aquele liquido. Você gostou e bebeu tudo. Começou a falar, cambaleando, e queria me prender, você estava se tornando violento, mas tropeçou, caiu e adormeceu, roncando alto. Corri para fora, aliviada, e fui para a grande macieira proibida. O Pai tinha alertado que podíamos (podíamos? Você podia!) fazer tudo, tudo que queríamos. Mas nunca, nunca comer aqueles frutos. Cuja aparência era, como é de se esperar, tentadora. Nenhuma outra macieira dava frutos tão coloridos e ricos. Durante a florada era a árvore mais carregada, mais intensa. Enxames de abelhas a cercavam, e pássaros, os mais bonitos. Sempre me atraíram suas peculiaridades. Você, você não. Não gostava dessa árvore. A ordem do Pai se transformara em um temor absoluto que te impedia de enxergar sua beleza. Você não gostava sequer de passar por aí. Eu já tinha apanhado de você, um dia que me encantei na frente dela, e você veio me procurar e quando viu onde estava, você me socou nas costelas e no rosto, e fiquei por dias com um olho tão inchado que nem conseguia abri-lo. Corri, então, para lá, porque sabia que ela também amava aquela macieira, porque éramos duas, sim, mas também o Pai tinha me criado com as mesmas feições. O que mudava era que ela, quando recebeu o primeiro tapa, revidou, revidou feio. Se negou. Xingou, gritou e tacou pedras em você. Argumentou com o Pai, também. E saiu desse Inferno. Isso, sim, era um lado interessante da situação. Ela estava ali como imigrante ilegal. Se o Pai soubesse que tinha entrado, sai de baixo! Ia sair uma trovoada como nunca se ouvira! Estava lá, ela, sim, estava, enrolada na macieira, tentando alcançar um dos frutos mais bonitos. Quando me viu, desceu em elegantes espirais pelo trunco e, tocando o chão, já tinha meu semblante. Ou, melhor, eu tenho o semblante dela, pois quando você pediu ao Pai para ele me criar para ser teu brinquedo, pediu também para me dar aquelas mesmas feições que já foram as dela. O gosto de tripudiar sobre alguém que tem o mesmo rosto de quem desobedeceu deve ser ainda maior, imagino eu. Você se iludiu, na imagem dela que era eu, de poder domina-la através de mim. O que nem você nem o Pai pensaram foi que essa semelhança se tornasse identidade. Identidade de princípios, de desejos e de ação. Sei que você continua convencido que eu não sou uma criatura suficientemente autônoma e inteligente e que, portanto, sou incapaz de entender e querer, enquanto a inteligência dela você não pode negar, pois além de criada ao mesmo tempo tinha tuas potencialidades. Teu primeiro e verdadeiro amor, apesar do ódio que você sentia, merecia maior respeito do que eu: você lhe atribuiu o poder de me desvirtuar. E me chamou de fraca. Ainda não sei se você é ingênuo ou bobo mesmo.


2 comentários:

  1. Querida fada,
    Acho que esse terceiro capítulo me clareou as ideias. Veja se o meu raciocínio está certo: Quando Deus criou o Adão, ele criou ao mesmo tempo uma mulher(Lilith?). Mas, ela se revoltou pq não aceitava ser submissa ao homem, queria igualdade em relação ao seu marido. Como Adão não concordava com o seu ponto de vista, ela decidiu abandoná-lo, deixando-o profundamente só. Cansado de tanta solidão e ávido por sexo, Adão foi reclamar a seu Pai. Este atendeu aos seus pedidos e criou, de suas costelas, uma outra mulher, chamada Eva. Esta, aparentemente, aceitava a sua condição inferior e fazia td o que seu marido desejava. A "imigrante ilegal", mencionada no folhetim, seria a primeira mulher de Adão, a qual voltava de vez em qnd ao paraíso sem o consentimento de Deus. Era ela quem se encontrava com Eva. Infelizmente, a versão de Adão e Eva foi a que se eternizou na Bíblia. Ou seja, algumas partes foram ocultadas porque não eram convenientes para a época. Ainda bem que podemos matar a nossa sede de vingança, juntamente com Eva, através deste magnífico folhetim! rsrs... E que venha o próximo capítulo! (Oba! Mais um! rsrs...)

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  2. Querida larissakabochi,
    sua leitura está para lá de correta! Só que.... só que... Adão foi reclamar sobre a Lilith e ela foi expulsa! Fazer o que... mas veja bem: se você for ver a imagem do Pecado na capela sistina, você poderá ver que a serpente tem busto e cabeça de mulher... igual a Eva! E não é o único caso.... somente o mais famoso!!!!!

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