segunda-feira, 13 de julho de 2009

A VINGANÇA DE EVA. CAPÍTULO FINAL.

Último capítulo! E a foto da jararaca é de verdade (espero que seja uma jararaca, ou levei um susto à toa!).

Eu não me deixei tentar por ela. Ela me deu respeito e eu escolhi sair da prisão. Ela me ajudou, só isso. Eu já queria saber, eu já queria saborear o que ela possuía desde o começo. Aliás, ela foi muito clara em me alertar que uma escolha como essa, de desobediência radical, teria conseqüências também de ordem psicológico, para mim. Ela me contou que ser tratada como um demônio, obrigada a viver sozinha, porque lá fora não tinha nada e ninguém, desprezada pelos anjos não era uma vida boa. Argumentei que, se o Pai resolvesse me punir me mandando embora, então seriamos duas, eu e ela, e o problema de ficar sozinhas não subsistiria. Além do mais, comendo o fruto, teria também a sabedoria, e assim poderíamos elaborar teorias, cantar poemas belíssimos e conhecer as estrelas e discutir apaixonadamente do mundo e, se realmente era tão mais feio do que aquele jardim infernal, o conhecimento nos forneceria os instrumentos para transformá-lo. Sorriu e me abraçou, e deitadas na grama exploramos todos os cheios e os vazios de nossos corpos e depois, cansadas, adormecemos. Foi assim que você nos encontrou. Você levou um susto danado. Bobo e incapaz de tomar atitudes de adulto, moleque birrento e violento, dominado por teus instintos, me ver duplicada nos braços dela, vê-la duplicada em mim, te deu tesão. Oh, homenzinho obcecado! Abrimos os olhos ao mesmo tempo e te convidamos a se juntar a nós. Você foi enredado por nossas pernas e braços, nós dominamos tua vontade. Não foi um grande esforço, tua vontade é fraca mesmo, quando você está tomado pelos sentidos. Nós estávamos satisfeitas, nós éramos duas, mas com uma mesma vontade de vingança. Conhecíamos teus pontos fracos. Quando você se apercebeu que éramos uma única mente, que nosso poder tinha duplicado, e reparou nos nossos corpos encaixados um no outro, e percebeu que você não passava de um acessório, enrubesceu feito uma mocinha e foi buscar umas folhas para nos cobrir. Rimos de você, quando colocamos aquelas folhas ridículas e brincamos de esconder e revelar: você nos ofereceu um disfarce, e obrigamos você também a usar esse tapa-sexo verde. Aí, você viu que nossa conversa, nosso envolvimento não te incluía, que você jamais teria feito aquilo, que era gostoso, mas proibido: ela era tua inimiga, você lembrou. E pensou que tinha me roubado de ti. E gritou de raiva e de dor. Depois, ela deslizou rapidamente pelos galhos da macieira, e eu também pulei a cerca em volta dela, agarrando uma maçã com a mão. Ela, ameaçadoramente, ondulava na tua frente, sibilando. Você, com medo dela, ordenou que eu voltasse, mas eu nem te respondi. Você gritou e esperneou, mas não ousou se aproximar dela, de mim. Levantei a mão, desafiando-te com o olhar e mordi o fruto suculento e saboroso. Senti meu sangue correr mais rápido, mais quente. Vi, em um único instante, o começo e o fim, a vida e, finalmente, aquilo que não temíamos, porque desconhecida, e assim você não lhe dera um nome, mas fui eu, eu que a nomeei, o único nome que eu dei a algo, foi a ela, e a chamei de Morte.

Mais uma vez, a vaidade te cegou. Você sofre mesmo de um terrível complexo de inferioridade, viu, Adão? Sentiu que eu era corajosa, forte, destemida, muito mais que você, e o fato de eu ser algo mais que você te encheu de ira: agarrou o fruto que eu tinha na mão e, para mostrar que você fazia também, e melhor, abocanhou um pedaço muito grande, que engoliu sem mastigar, engasgando para sempre. Bem feito, bonitão! Ela riu, me olhou com amor imenso, disse estou sempre em você, e desapareceu entre os galhos.

Você estava sufocando, começou a tossir, tossiu, tossiu e o Pai, é claro, ouviu e baixou e bateu nas tuas costas, livrando tuas vias aéreas, depois olhou para mim com rosto severo e perguntou quem fora. Deu medo, deu muito medo, dava para ver que estava irado, os trovões enchiam o ar, que escurecera como para uma grande tempestade. Mas eu sabia, sabia que não era o momento de me acovardar, que era minha chance, apesar do medo horrível que tomara conta de mim, e de você também, pois você também chorava, e tremia feito uma folha no vento e era branco feito uma pedra de sal.

Claro que você apontou para mim, o que esperar de você, seu dedo duro? Mas eu já admitira minha responsabilidade. Só que, na tua imensa estupidez, em um gesto de vangloria, você também comera, aliás engasgara, você não resistiu à tentação de demonstrar sua superioridade.

E isso não estava em meus planos. Quero dizer, que você também se ferrasse, tendo que sair do jardim
comigo. Nenhum plano é perfeito. Eu consegui sair, mas tive que aturar você também do lado de fora. Queria me livrar de você e do Inferno que criara para mim em seu Pequeno Paraíso, mas esse Inferno grudou em mim com teu semblante, e as coisa ficaram ainda piores. Piores porque agora, além de te aturar, tive também que começar a ralar para sobreviver. E você, considerando-se uma vitima, um inocente, ou culpado somente por reflexo, descontou sobre mim sua frustração e disse que era minha culpa, e que eu, agora, teria que pagar pela perda que você sofreu. Que a terra era um Inferno, e eu expiaria minha culpa na obrigação de torná-lo um lugar menos desprezível oferecendo meus serviços. Tudo isso, depois daquele anjo metido nos perseguir com aquela estúpida espada flamejante. Muito efeitos especiais, para duas criaturas tão fracas!

2 comentários:

  1. Essa com certeza foi a melhor, e de certo, a mais verdadeira das versões de Adão e Eva. Curioso como ela me fez lembrar da Flauta Mágica de Mozart, e de como a visão dos homens foi, e ainda é, tão hipócrita.

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  2. Querida Fada,
    Este folhetim acaba de ser incluido no pacote das minhas leituras preferidas! Adorei!
    O jeito que vc escreveu fez com que eu ficasse
    uma semana esperando ansiosamente pelo proximo capitulo! Uma pena que acabou. Mas, espero que tenha outros! Se for sobre a visao da mulher e assuntos feministas melhor ainda! rs...
    Na verdade, eu estou adorando o seu blog por inteiro! Adoro o que vc escreve!
    Bjuss!

    ps: escrevi td sem acento pq estou em um computador q nao e meu e nao achei onde estao alguns acentos.

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