sexta-feira, 28 de agosto de 2009

FOLHETIM EM UM CAPÍTULO SÓ.

Gente, já me encontrei na constrangedora situação de ter que explicar que "CONTO É CONTO", não é relato de vida! Fazer o que? Ficção é ficção, e eu gosto de inventar contos!
Quem quiser ler, que leia e que viaje, e se gostar, que leia mais, que a ficção faz bem à cabeça da gente!!!

Sábado, noite. Está na hora de ir, sair, se divertir. Mulheres, me aguardem, pensa na frente do espelho. A cidade é um território de caça. As mulheres estão lá fora, só precisa se arrumar com a roupa certa para a caçada. Arruma o cabelo, parece um iguana, com a crista cheia de gel, piercing nas orelhas, piercing no nariz. Parece o cow-boy da terra de Marlboro. Parece, parece, até parece. Camiseta branca, manga curta, enrolada, tatuagem a vista no bíceps, calça jeans e botinas, ultimo controle, um beijo para si mesma e a porta se fecha, deixando os medos em casa. De alma mais leve, na calada da noite.

A bicicleta entre as pernas, pedala rápida, excitada. Só mulheres, mulheres, já se imagina cercada por figuras etéreas, elegantes, vozes e risadas, perfumes e curvas. Chega logo, chega logo ao local. Nome do local: “O interior da Picanha”. Tosco, eu sei, mas fazer o que?

Quer mulheres que te querem?

“O interior da Picanha” é onde elas estão. Coisas da cidade. Pouco românticas na aparência, espera-se melhoras na substância Afinal, não é o nome que importa, certo? Desce da bicicleta. “O interior” está aberto, um fio de fumaça já alerta que os espetos estão no fogo. O cheiro é enjoativo, verdadeiro filé miau, mas a brisa está a favor de quem encosta no balcão. Lugar vazio.

A moça do bar: novidade que sorri e coloca um chopp na sua frente. Olha em volta: ainda é cedo, espera-se que a amostra não seja significativa: uma mesa ocupada por um grupo de bulldykes já no numero X da cerveja. Risos roucos de cigarro. Bem que ela um pouco as inveja: elas arrasam com as héteros, que tão héteros não devem ser, mas aí, também é muito complicado, para seus sonhos, ficar pensando em tudo isso... Ela só quer um corpo quente que queira se sentir melhor junto ao seu.

Mais um chopp, a garçonete novata sorri e oferece um cigarro. Distraída, agradece, enquanto checa a entrada. Algumas conhecidas, sorrisos distantes, e aquela moça, puxa, acha que um dia a paquerou, mas nunca esteve tão certa, então não arriscou e agora a moça namora a Fulana que já foi namorada da Beltrana... Tristeza, nada de novo. A musica também não ajuda, meio óbvia e lamurienta, com expressões requentadas, e nada requintadas, de dores infindáveis de cotovelos.

Mais um cigarro, mais um gesto distraído para a novidade no serviço: moça linda, de sorriso aberto, profissional no trato, super fashion... deve ser a namorada de alguém, pensa, a máfia lésbica da cidade não deixaria uma belezoca assim trabalhando nesse lugar sem “proteção” especial, alguém ciumenta e grande em tamanho deve estar vigiando. Uma namorada que regula os sorrisos e os papos possíveis. Ufa.

A noite de tanto entusiasmo já não é mais a mesma, parece que os vapores grudentos do filé miau já impregnam até pensamento. Pensa: “gracinha”. Pede: mais um chopp. Só pelo gosto de vê-la se mexer, de sentir a sua atenção, sobre a pele. Ainda que profissional. Ahi ahi, a noite não está com nada, era outra idéia, de encontrar um milagre...

Mas um milagre no “Interior da Picanha”, bom, somente nos sonhos, e esta é realidade, esta é a cidade, e a musica é de beber mais e as mulheres já estão acompanhadas, e as que não estão, meu deus, nada a ver com ela, não gostaria de encontrá-las sozinha em um beco escuro... Por quanto atire poses de moderninha, ela é nativa da cidade, o que implica em uma dose maciça de idéias muito erradas sobre quanto a aparência coincide ou não com a realidade, como já deveríamos ter entendido na identidade entre o nome e o ambiente desse barzinho chamado “O interior da Picanha”. Como dizia o Barão de Itararé, de onde menos se espera é de lá que não vem nada... Um dia vai aprender, mas não hoje, não, hoje só queria... mais um chopp. E já perdeu a conta, a cabeça fica leve e um certo enjôo já toma conta do aparelho digestivo. Levanta os olhos e “gracinha” sorri, compreensiva, e coloca um copo gelado de Coca e limão na sua frente.

Maravilha de profissional, pensa, ligada sempre no freguês. Com os olhos semi-cerrados para governar os chopps que ameaçam subir até as orelhas, admira o gingado da moça que se afasta lépida em direção oposta. “Gracinha” é bonita sim, quem será a sortuda que atualmente governa e/ou é governada por tanta graça?

As horas passam, talvez transitem, mas nunca vão voltar e, aos poucos, o lugar se esvazia. Só sobram ela e as garçonetes, que retiram mesas e cadeiras, que trancam as portas e desligam as luzes. Encostada no balcão, pergunta-se como conseguirá manter a dignidade no momento em que abandonará o banquinho que a sustenta. Aliás, quase quer perguntar se pode ficar aí para dormir. Percebemos, aqui, o quanto está bêbada, não consigo imaginar como vai pegar a bicicleta e chegar em casa, parece que “gracinha” também tem as mesmas minhas dúvidas, as nossas dúvidas e, com aquele gingado, com aquele sorriso, uau, se aproxima e a segura pelo braço, enquanto a ajuda a seguir pela porta. Ela se apóia, bêbada, oh, quão bêbada está, sente o calor de “gracinha”, que tem um carro, portanto sabe dirigir, mas não pergunta para onde, e dirige na noite da cidade, e ela quer que isso não acabe, ah, está muito bom, o vidro aberto, o ar, se sente bem melhor. Mas isso acaba sim, senhoras, e chegam, e nós com elas, à casa de “gracinha”, é escuro e não consegue ver como é a casa, deve ser bonita, mas só quer um Sonrisal, uma água tônica e deitar com ela ao seu lado.

Estranho é que não chega a dizer nada disso, pois tudo está acontecendo desse jeito. Como: “está acontecendo”, nem falei, mas ela está tirando minha roupa, pensa, e eu estou tirando a dela, e esta pele macia, e este sabor gostoso, e suas mãos que buscam, e minhas mãos que encontram, e de repente, feliz e satisfeita adormece e esquece.

Manhã. Abre um olho, abre o outro e não sabe muito bem onde se encontra. Mas seu esquecimento é rápido, já voltou tudo e enquanto tudo volta, “gracinha” acorda e sorri, a beija, levanta e faz o café. Com a bandeja na mão, chega, muito profissional e, sorrindo, pergunta: “Aposto que você nem sabe meu nome, não é?”.

Ela baixa o olhar, o sangue sobe às faces e, em um sopro, responde: “Não”.

Um comentário:

  1. Dizem que "quem conta um conto aumenta um ponto", mas afinal de contas "tudo depende do ponto de vista e do angulo do observador" já que "todo ponto de vista é apenas a vista de um ponto"...de qualquer forma...ponto pra você, minha fada preferida, porque não usa tule rosa nem varinha de condão...rs.

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