terça-feira, 17 de agosto de 2010

DIÁRIOS DE VIAGEM VI

A praça Garibaldi em Vada.

04/07/2010 Vada, h.19.4o
Voltei há pouco da praia. De manhã fiquei um pouco com meus pais, lendo, debaixo do guarda sol. Depois, fui até a praia vizinha, visitar minha amiga S., que conheço desde que tinha seis anos. Passamos muitos verões juntas, nadando, caçando caranguejos, catando amoras, enfim, sendo crianças juntas e crescendo. Juntas, descobrimos o mundo. A história de S. é uma história de abandono & perdas. Ela e seus três irmãos foram abandonados pela mãe uma noite, quando ela tinha três anos. A mulher , simplesmente, foi embora, deixando a chave do gás aberta. Por sorte, o pai acordou a tempo. Como o pai era uma figura lastimável, e S. afirma, até hoje, que foi a ruína de sua vida, quem se ocupou dela foram os tios, que desde que foi abandonada atee os doze anos a criaram como uma filha. Mas aí, o tio morreu e o pai a tomou de volta, para que morasse com os irmãos. Na verdade, ela tinha uma idade que permitia que cuidasse da casa e dos irmãos, poupando ao pai a grana de babás e faxineiras. Foi quando nos perdemos de vista por vários anos.
Com dezenove anos, ela voltou para a casa da tia e acabamos nos encontrando de novo, nos verões. Mas tínhamos, obviamente, mudado, cada uma ocupada em descobrir o que fazer com a vida de quase-adultas.
Hoje, ela é casada e mãe de dois filhos. Conversamos um pouco, e ela, como eu, apesar dos anos e das muitas diferenças, guarda lembranças importantes do período de formação que passamos juntas, durante aqueles verões maravilhosamente ingênuos de descobertas.
Os irmãos, que cresceram com o pai, não se deram bem na vida. O menor casou com uma deprimida crônica, tem dois filhos e trabalha em um supermercado. Vai ver procurou a figura da mãe nessa esposa que nem consegue cuidar da prole. O mais velhos sobrevive de pequenos trabalhos absolutamente precários, com quarenta e tês anos, namorando uma figura que, conforme diz S., além de feia é mau caráter. O terceiro irmão, que é gêmeo dela, está preso, na cadeia, por jogo de azar, fraudes & furtos.
S. trabalha como agente imobiliário, mas está preste a deixar tudo para só se ocupar dos filhos, de oito e seis anos.
Conta que sempre quis filhos, mas que teve momentos em que se sentiu muito inadequada, com medo de ser como a mãe dela fora. Conta também que, com vinte e cinco anos, a mãe reapareceu, querendo encontrar todos eles. mas S. não quis nem vê-la pintada, pois considera que, para essa mulher que só a machucou, seria um privilégio imerecido conhece-la.
A vingança machuca, a vingança faz mal, creio eu para todos os lados.
Me despedi dela e fui para casa, almoçar.
Andei pensando que, em minha vida, muitas são as histórias de pessoas que cruzaram parte de seus percursos comigo, em que o abandono & a perda familiar são recorrentes. Cogito se não é já o tempo de escrever essas histórias.

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