quinta-feira, 2 de junho de 2011

POR ONDE PASSA A DISCRIMINAÇÃO?



Meus tempos de reflexão estão se tornando verdadeiras "eras geológicas". Fico moendo & remoendo situações por meses, me sinto uma ruminante perpétua. Aí, me dá na telha uma vontade de sistematizar essas ruminações infinitas por escrito. E se vai mais um tempo longo. Bom, uma das coisas que ando remoendo a um tempo é sobre o que significa "discriminação" no cotidiano. Quero dizer: em teoria, todos somos bons & cheios de palavras certinhas, mas na hora H, eis que a imbecilidade toma conta do pedaço. Vou dar um exemplo: lá estava eu em um almoço muito legal, todo mundo feliz em volta da mesa, umas quinze pessoas amigas e de cabeça aberta. Tão aberta que ninguém jamais pensou em tratar de maneira antipática a mim e à minha companheira de vida. Muito pelo contrário, todos se mostram felizes em ver uma parceria de duas pessoas que vivem juntas, que dividem o dia a dia feito de trabalho, tempo livre, responsabilidades e diversão. Moramos como duas pessoas que se amam fazem. Não nos consideramos "namoradas", mas vivemos em uma união estável. Manifestações positivas nos vieram dos amigos, recebemos em casa e somos recebidas sempre com afeto e respeito. Nesse almoço também a situação era essa.
Até o momento em que alguém trouxe à tona o "grande escândalo" da semana: a aprovação da lei que permite o "casamento gay". E aí, senhores e senhoras, os preconceitos vêm à tona.
É como se, de repente, a cabeça das pessoas entrasse em curto circuito. Como se tivesse um apagão. De repente, as duas mulheres que sentam à mesma mesa desaparecem da realidade, são apagadas de sua existência concreta, real, manifesta. Sua presença se torna um fantasma. Começam os comentários, todos se manifestam contra esse escândalo inaceitável. Os gays não devem ter o direito de casar. Isso é um absurdo. Isso é contra a natureza.
Os gays se tornam entidades inimigas, perigosos seres ameaçadores de misteriosos valores inscritos nos repositórios mais íntimos que o "politicamente correto" impede de expressar na convivência real. Eu e minha parceira somos, evidentemente, manifestamente gay. Nós somos a realidade feita de responsabilidade e cotidianidade. Somos as mesmas que, de repente, de amigas, pessoas respeitadas, se tornam o indecente, o inaceitável.
Quando se fala dessa lei, se fala contra pessoas reais. É uma lei que envolve o direito de quem senta ao seu lado na mesa do almoço, de quem é visto como amigo/a.
Sei que é difícil pensar em uma associação muito feia como a que estou para fazer, mas precisa parar e pensar nisso:
muitos nazifascistas, depois da guerra, disseram que, apesar de apoiar regimes que levavam os judeus aos campos de concentração, eram amigos de famílias judias. Portanto, não apoiavam realmente o regime. Mas estavam, fundamentalmente, de acordo com a necessidade de livrar o mundo de quem era oficialmente visto como indesejável.
É, sinto muito dizer, a mesma coisa. Os gays estão entre vocês. Com seus sorrisos e seus problemas. Vocês convivem com eles e elas e são amigos deles e delas.
Então, por que tanta angústia, na hora de permitir que tenham alguns direitos que fazem parte da vida de quem escolhe ser um casal? Por que continuam não querendo que, em caso de doença, o/a parceira possa cuidar do/a outro/a? Por que não posso colocar minha parceira como dependente de um plano de saúde? Por que não deixar que seja possível ter os mesmos benefícios de qualquer outro casal?
Está na hora de parar e de pensar, de buscar uma coerencia no dia a dia, na convivência conosco, que não somos nenhum monstro, nenhuma entidade escondida na escuridão pronta para contagiar com nossa felicidade, diferente, mas que procura sua integração.
Beijos a todos os amigos que não se apercebem de seus medos, continuo amando-os!
P.S. Ontem apareceu uma foto de uma passeata evangélica. Mostrava uma faixa com a escrita: "Daqui a pouco vão dizer que a Bíblia é homofóbica". Muito bem, alguém me demonstre que não é, porque é exatamente com base nesse conjunto di livros que muita gente discrimina, ataca e quer eliminar.

Um comentário:

  1. Sou heterossexual, não-homofóbico. Convivo estreitamente com alguns casais "rotulados" de gays.
    Creio que o cerne do problema está, agora, na oficialização dessas uniões e não na união, propriamente dita. Pois dessa forma, a sociedade se vê obrigada a aceitar esses casais; então a aceitação disfarçada cai por água abaixo. Demorou para acontecer.

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