terça-feira, 26 de abril de 2011

EU QUERO ESCREVER DO ESCREVER...

Escrever é uma fala diferente, mediada pelo registro que a sustenta, que pode permanecer para leitores futuros. No caso de uma produção que busca uma publicação, é uma escrita que desafia os limites do círculo íntimo de parentes e amigos, é um gesto cheio de ambição e de exercício de poder, pois significa colocar-se no centro do mundo e deste lugar falar. Escrever, claro, não se torna necessariamente um gesto público. Com efeito, existe aquela escrita, objeto de estudo por parte da história e dos estudos literários, constituída por diários, confissões, manuscritos escondidos nas gavetas, uma escrita privada,cujos leitores são um público muito restrito, como a escrita epistolar, mas também novelas, poemas e romances destinados a um círculo de letrados amigos. Gesto ousado e até tempos relativamente recentes, negado às mulheres, às quais fora ensinado a se colocar de lado, a não tomar a palavra, a ser modestas e obedientes. As mulheres tiveram que conquistar o direito de publicação.

A publicação de um livro coloca a mulher, como indivíduo, no espaço público. Este transforma suas escolhas em atos documentados pelas próprias palavras, na medida em que se considera o papel de um indivíduo em sua esfera de ação pública.

No século XVII, publicação significa, para as mulheres, se tornar de “domínio público”, ultrapassar os limites da esfera doméstica à qual eram confinadas quando “honestas”, arruinando suas reputações; ainda vigorava o princípio de um conflito entre seus papeis privados e públicos. Virginia Woolf em A room of her own, traça o retrato de uma famosa erudita inglesa, Margaret Cavendish: tamanha era a vontade dela de escrever, que foi condenada à solidão pelos seus contemporâneos. É uma escritora que escreve sem público e sem critica, e quando sai na carruagem, as pessoas observam-na boquiabertas, como uma freak de circo. Ela encarna a perda dos valores cultuados pelas moças honestas e modestas. É sempre Virginia Woolf que fala da trajetória de Aphra Behn, a primeira escritora profissional reconhecida na Inglaterra. Para Virginia, a independência econômica – que Aphra alcançou – é a base de todas as outras liberdades; todavia, ainda por longo tempo, as mulheres que quisessem se tornar economicamente independentes através do exercício da escrita – e da publicação -, teriam que assumir uma identidade de mulher pública associada à prostituição, pois ousam se expor, tomar a palavra e, enfim, ganhar dinheiro com isso, postura lamentável, na época.

Não provoca espanto, portanto, a freqüência com que as escritoras redigiam prefácios às obras recheados de desculpas por sua ousadia, por atrair a atenção; oferecem seus trabalhos como algo cheio de graças, leve, decorativo, algo que não quer ofender nem adquirir valor. Estratagemas, talvez, para se proteger da critica.

Talvez seja por isso que, ainda hoje, a maioria das mulheres que escrevem dominam, principalmente, a literatura de gênero, aquela sem pretensões literárias, reservada ao entretenimento.

O século XIX revela um dualismo extremo entre a sensibilidade feminina e racionalidade masculina, subtraindo valor à primeira. Por isso, as mulheres não deveriam ser iniciadas a práticas científicas. È somente no final do século que se manifesta um movimento sufragista, em busca do reconhecimento de direito políticos.

Objeto constante de representações normativas e disciplinadoras, as reflexões atrelam o gênero aos determinismos biológico: já na tradição filosófica que inicia com Platão a distinção ontológica entre a mente, a consciência e o corpo é constantemente submetida a relações assimétricas de natureza social e política. A mente submete o corpo, e não faltam exemplos de associações da mente com a masculinidade e do corpo com a feminilidade, documentadas pelo feminismo.

Colocada na base da vida política, econômica e cultural de homens e mulheres, a diferença sexual configura seus papeis e funciona como uma segunda natureza e estrutura constitutiva da Modernidade.

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