terça-feira, 30 de setembro de 2014

AOS LADRÕES QUE ENTRARAM (E ROUBARAM) DE NOVO EM MINHA CASA

Acho que estou cansada disso. Arrombaram DE NOVO a porta da minha casa, entraram DE NOVO em minha casa, reviraram minha vida do avesso DE NOVO revirando armários, gavetas e o que for em minha casa e roubaram DE NOVO em minha casa. Da primeira vez, tiveram muita sorte, pois roubaram "coisas" de valor (tipo dinheiro, jóias). Despojada disso, sem mais valores em casa, não é que aprendi a lição? Em casa não tinha mais nada. E realmente, dessa vez os ladrões revelaram ser pessoas com desejos bem burgueses: roubaram os vinhos de família. Aqueles vinhos que eu, mamãe e papai escolhemos para que todos, juntos ou separados, presentes e ausentes, pudessem compartilhar esses vinhos com quem nos é querido. Era uma dezena de garrafas, não mais. Também, nada de muito valioso, somente uns bons vinhos tradicionais da Itália, mas coisas que se repõem com muita mais facilidade, muuuuuita mais facilidade do que uma jóia. Bom, a ferida é emocional, nesse roubo, muito mais do que financeira, dessa vez. Al;em, claro, da sensação de invasão em minha privacidade. Roubaram também as taças, para sermos exatos, 4 taças bonitas, mas disponíveis nas prateleiras de uma loja mediana, diria burguesa, de Ribeirão Preto. Ainda bem: aqueles vinhos merecem ser tomados em taças, não em copo americano. Brindem com suas mulheres do jeito melhor. Se, por acaso, voltarem para a minha casa, saibam que: a TV vai continuar aquele trambolho gigante que ainda tem que aquecer antes de ligar. No dia em que quebrar, me recuso terminantemente a ter outra. Por outro lado, vocês que são profissionais já sacaram que a parte eletroeletrônica em casa deixa a desejar; não vai mais ter jóias nem dinheiro além do que pode caber na carteira de qualquer um de nós em um dia qualquer, pois mais do que isso não precisa. Qualquer outra coisa, não vai em dinheiro, óbvio; não ando mais com o lap-top há muito tempo, os computadores em casa, mais ou menos obsoletos, já foram devidamente doados, tanto os que funcionavam, como os quebrados, mas alguém sempre sabe o que fazer com as partes mais do que eu, eventualmente têm um valor. Eu ando com um tablet que, obviamente, acaba sendo uma mercadoria de algum valor, mas preciso de um mínimo eu também, até para trabalhar; meus celulares não fazem a menor ideia do que é whatsup, pois não conseguem baixar absolutamente nada da rede (são VELHOS); ENFIM: ser uma gringa que TRABALHA no Brasil não significa que o dinheiro sai de mim quando vou ao banheiro, nem que em minha casa está escondido o ouro. ESTAVA, aquele pouco que a gente ganha de presente na vida, dos pais, das avós falecidas, aquilo que eu sei o quanto trabalharam para ter, mas vocês já levaram tudo isso. A porta que vocês destruíram no primeiro roubo foi substituída por uma de ferro. Agora, vai a segunda. Não sei se dá para concertar ou não. Se der, não vou me dar ao trabalho de substitui-la por outra. E, com certeza, não escolherei mais nada de ferro, não adianta, se não é porta será janela, se não é janela será um buraco na parede, tanto faz, o fato é que não quero viver blindada. Escolhi morar em casa porque não suporto me sentir em uma cadeia voluntária, e não quero morar em um cofre. Bom, a minha casa não é um cofre, mas está ficando vazia de coisas que eu não posso repor. Ainda assim, SENHORES PROFISSIONAIS DO RAMO DO FURTO, eram "coisas", coisas de maior ou menor valor. Coisas. Eu, quando for morrer, não levo, com certeza. Se a distribuição de renda é nesses moldes, bom, para vocês acabou a festa e para mim ainda sobram as lembranças. Lembranças ficam melhor com coisas que ajudem a lembrar, mas eu as escrevo, assim me garanto que elas não tenham qualquer valor para vocês, pois não vendem tão bem como as "coisas" que roubaram da vez passada, que tenham ajudado, talvez, a pagar (ou não, mas espero que sim!) o aluguel de alguma moradia decente para suas mulheres, para seus filhos. Já os vinhos, bom, é memória mais transitória, a garrafa um dia ia acabar, mas com certeza iam ser momentos bons, também geradores de boas memórias, tenham-os vocês, esses momentos. Apesar de não ser cristã, acho o ato de compartilhar o vinho bom o mais digno de todos, o milagre das núpcias de Canãa é o mais bonito de todos: não é porque estamos embebedados de bom vinho que no final se oferece Sangue de boi... Bom, SENHORES PROFISSIONAIS DO RAMO DE FURTOS, bebam um bom vinho nas taças que minha mãe me deu de presente (porque gostava de um bom vinho bem tomado), porque as memórias antes grudadas às coisas roubadas ficam comigo. Não tem mais "coisas" desse tipo, em casa. As que têm, não tem valor venal. São fotos, são bibelôs, são cartas. Inúteis para qualquer "boa" vida, ou antes somente para uma vida melhor. Claro, tem um monte de sapatos (mesmo que alguns sejam memórias, vocês poderiam levar, vou ter que doar mesmo!), roupas e a parte mais rica, aquelas que vocês não roubam: em casa, agora, só pode ser roubado livro. É o que de mais precioso tenho, espero sinceramente que, caso vocês resolvam que vale a pena pega-los, seja para seu proveito e para os de seus amigos e familiares, e não somente para reciclagem. Por favor, se roubarem isso, que é o que sobrou de valor, deixem os livros em italiano, peguem somente aqueles em português, ainda que depois de lê-los vocês queiram aprender uma outra língua, vai demorar um pouco, então me deixem pelo menos isso, ok? Prometo que vou deixar uma garrafa de vinho para vocês, talvez não italiana, mas chilena, argentina, até têm ótimas qualidades brasileiras. Mas com seus gostos burgueses, provavelmente vocês já sabem. Por favor, permitam-me um pedido, já que paguei com algum valor venal e muitas moedas sentimentais essas suas duas invasões em minha casa: da próxima vez, não revirem os armários à toa, não joguem o conteúdo das gavetas espalhado no chão. Não vai ter nada mais do que tinha hoje, isso é: nada. Na primeira vez até que deu certo, Na segunda tomaram vinho bom, na terceira vou vender a casa, quem vai comprar vai querer fazer disso um forte armado em guerra com o mundo e vocês vão perder a chance de ter uma moradora um pouco mais pobre do que o novo morador, mas que tenta pagar o que deve pontualmente a quem presta serviços, que não enche o saco de ninguém, que quer ficar de boa. Na boa. Chega disso, tô gastando muito em portas e janelas!

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

A FÍSICA DA MISÉRIA E A RETÓRICA DA POBREZA


(Imagem retirada de: http://fisicamoderna.blog.uol.com.br/arch2006-06-11_2006-06-17.html)

Sabemos que existe a temperatura relativa dos graus Célsius, cujo termo de referência é o Zero relativo. Existe, porém, o chamado Zero Absoluto, que corresponde a  -273 °C.
Agora vamos para a economia fantasiosa do mundo globalizado do século XXI: Existe uma "coisa"chamada, genericamente, pobreza. Essa "coisa" genérica, que a gente fala com o senso comum, corresponde a Zero graus Célsius, que para todos nós é a referência da passagem entre o negativo e o positivo. Visto por essa perspectiva, na economia do senso comum, existe chama "pobreza digna" aquela que, com 724 R$, teoricamente consegue, com muitos sacrifícios, viver na dignidade de conhecer seus limites. Pode fazer planos futuros porque tem o que comer. Não é fácil, é um aperto que eu não consigo imaginar, mas dá pra comer todos os dias. Essa "Pobreza digna", atualmente fixada no valor do salário mínimo, corresponde, no nosso termómetro, ao Zero graus Célsius, o ponto de virada a partir do qual a temperatura se torna positiva.
O que acontece é que ninguém, no dia a dia, calcula o calor que sente utilizando, como referência, a "temperatura" Zero graus Kelvin, o zero absoluto. Ninguém fala algo do tipo: pôxa, hoje em Black Stream fez um calor insuportável, chegou a - 228 graus Célsius... e daí? É uma temperatura negativa em que não há possibilidade de vida alguma, ponto. Não faz sentido, uma diferença tão pequena entre algo negativo e outra coisa um pouco menos negativa. Nossa percepção continua negativa, se não percebemos diretamente que, no cotidiano, aquele negativo corresponde a  45 graus Célsius positivos. Não é compatível com nossa realidade essa abstração do "absoluto" e, nas estatísticas das grandes instituições econômicas, financeiras e o que for, significa "pior é impossível". O grau Zero absoluto da pobreza é a miséria sem futuro. É aquela miséria em que não se faz orçamento, não se escolhem sacrifícios, a serem feitos, porque não há nada a ser sacrificado. Esse ponto, o Zero absoluto, é a "morte térmica do universo", a entropia absoluta. A miséria absoluta é isso mesmo. Já com um grau a mais, ainda tem energia... Quando raciocina na escala de graus Célsius, sabe que, antes de chegar a esse ponto absoluto deve descer bastante, abaixo do zero. É um longo caminho que pode ser invertido, ou assim gostamos de pensar. Enfim, sempre pode ser pior, antes de chegar ao Zero absoluto, ao fim de linha da miséria.
Então, o que eu penso, quando a voz do marketing eleitoral fala, é que não nos contam que, na verdade, eles pensam a partir da referência da miséria calculada como Zero absoluto, mas aí eles a chamam com o nome errado, a chamam de pobreza (sem o adjetivo digna), mas não a chamam miséria. O que eu entendo é que eles têm uma retórica lastimável, através da qual conseguem afirmar, falando a verdade, a mais pura verdade, que a miséria não existe, mais ou menos em um jogo de prestidigitação lexical, dizendo que Senhoras e senhores, 1.00 R$ no bolso é tudo que precisa ter, é um degrau acima do Zero absoluto, é pobreza mas não mais miséria, venham e comprem a ilusão de que o tio Patinhas é você, com 1.00 R$ chegarão a ter seu próprio depósito de moedas de ouro, com essa moeda no bolso começa o caminho (íngreme, árduo, ardiloso) que os levará a conquistar... o Zero relativo, isso é: se vocês se esforçarem muito, mas realmente muito, um muito muito muito grande, poderão se tornar "pobres dignos". Andem, seus miseráveis, vocês ainda têm a chance de serem pobres! O pessoal do marketing, se sabe, é otimista. Com essa visão messiânica, o mundo é muito mais bonito e cor de rosa e os governantes do mundo inteiro se orgulham em eliminar do vocabulário a palavra miséria. Pena que, muuuuuitas vezes, se trate só de erradicação lexical...
Para mim, um dos grandes problemas nisso tudo é a dificuldade da maioria das pessoas, quando a língua se reduz a poucas palavras desgastadas de quem não desfruta de serviços culturais de amplo, amplíssimo espectro e qualidade (da escola ao teatro, da biblioteca ao cinema), em reconhecer a sutileza das campanhas em mistificar a "pobreza digna", aquela que (sempre teoricamente) oferece um futuro concreto e que é o nosso Zero graus Célsius, com a Miséria em que os sujeitos não reconhecem a si próprios nem mais as feições da humanidade. E  desculpem se isso é pouco!

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

SÓ OS BIBLIOTECÁRIOS NOS SALVARÃO...


Ultimamente, deixei de organizar meus livros. Estão, simplesmente, onde tiver um primeiro livro na horizontal, sobre o qual empilhar os outros. Não é minha culpa. São eles que estão organizando algum tipo de barricada na frente, possivelmente, das estantes em que os parceiros deles estão na vertical em dúplice fileira. Caramba, não sei como isso foi acontecer, faz meses que observo, preocupada, o crescimento dessas paredes, tão parecida com os fenômenos suburbanos dos condomínios fechados: muros impenetráveis em que até conhecidos de boa vontade se encarceram.
Hoje, acabei de "horizontalizar" Guerras do Prazer, do Peter Gay, depois de nele encontrar não um, mas sim, dois capítulos sobre "gosto" estético e burguesia vitoriana e sobre colecionismo na mesma época. O livro está deitado feita uma Vênus desfalecida após sua conjunção com Marte sobre uma cama, cujo cobertor é uma tal de Semiótica Visual. Por travesseiro, Espaços da Recordação, enquanto o colchão é Gadamer com espuma de Gombrich. E ainda tem o estrado, os pés da cama... Enfim, um depósito que obstrui todos os meus volumes sobre memória, coleção, museu. Não consigo alcança-los. Acima, três cadáveres literários, só um presta, O drible, capaz de envolver no futebol alguém totalmente alienada no negócio como eu. Mas a Moscovitch e o Bellotto de Macchu Picchu massacraram minha paciência. Ufa. Não chegam a cobrir os pés dos vizinhos em pé, Manuell Castells e Garcia Canclini. Do outro lado, está uma pequena pira de livros sobre museus e monumentos. O pior é na estante da outra parede. 

Aí jazem, em estado de lido, semilido, nem começado, duas pilhas de mais de mais de dez livros cada uma.  Me sinto fragilizada. A desordem reina, absoluta. Têm policiais noruegueses, autores contemporâneos brasileiros, um livro gigantesco sobre Japão, terminando, no topo, de um lado com um angolano e do outro com Salinger. No meio, ensaios variados. No quarto se observa uma tendência lastimável a acumular duas pilhas muito alimentadas, são duas excrescências, duas monstruosidades bulímicas cada uma alta mais de 50 cm., SOBRE a estante já lotada ao lado da cama.

Murakami descansa, plácido, em sua versão inglês de Tsukuru Tazaki aqui, sobre a escrivaninha, pois eu não soube me conter e esperar por uma tradução em português ou em italiano. Debaixo dele, o tijolão de Donna Tartt vai para sua conclusão nesses dias.

Óbvio que, desse jeito, vou precisar de um sentido novo nas leituras. Toda essa desordem nada mais é do que minha perda de rumo, minha busca de caminhos. Os livros sabem disso, e tenho certeza de que eles estão buscando um novo arranjo entre si, ou simplesmente se esconder de mim.
Quem me dera tivesse nascido organizada! Me espanta ler sobre gente como Otlet ou Dewey, gente que vivia alinhando até as pantufas ao lado da cama, obsessivos-compulsivos da ordem... Eu confesso que fui derrotada pelas new-entries dos últimos meses, essas pilhas que não querem se encaixar, elas reclamam minha atenção e eu não sei de que lado me virar para "pescar" meu livro guia entre os outros!